Fonte: Observatório da Imprensa
Por Fábio de Oliveira Ribeiro em 14/02/2012 na edição 681
O senador Magno Malta (PR/ES) foi de uma eloquência
savanaroliana, mas o iG, que noticiou sua diatribe contra Gilberto Carvalho,
foi bastante econômico (ver aqui). O texto jornalístico limita-se a informar
que o senador atacou o ministro de Dilma Rousseff na tribuna do Senado, que o
teria chamado de “safado” e que o fragmento contendo a ofensa teria sido
removido do vídeo.
Oficialmente, o Brasil nunca teve uma guerra religiosa. Mas
a história aí está a provar que as cosias não são bem assim. A segunda invasão
do Brasil por holandeses, e a subsequente guerra de reconquista movida por
luso-brasileiros e suas tropas de índios e negros escravos, teve uma conotação
claramente religiosa. Tanto que todos os protestantes que caíram nas mãos dos
portugueses foram degolados, enquanto os mercenários europeus católicos a soldo
da Companhia das Índias Ocidentais presos aqui foram preservados e a maioria
deles acabou voltando para Europa. Não só isto. É preciso lembrar que a guerra
começou no Brasil justamente depois que Espanha (o herdeiro do trono de
Portugal havia morrido em Alcácer-Quibir ee o rei de Espanha controlava
Portugal e suas colônias) fez a paz com a Holanda. A guerra entre estes dois
países visando ao controle dos Países Baixos foi, sem dúvida alguma, uma típica
guerra religiosa.
A Guerra de Canudos foi movida pela República por razões
políticas, ideológicas e econômicas. Mas para os seguidores de Antonio
Conselheiro, a guerra foi religiosa e a Igreja Nova constituiu-se na principal
fortaleza de Canudos e no alvo preferido da “matadeira”.
Manifestações inadequadas
A disputa entre Magno Malta e Gilberto Carvalho é mais séria
do que parece. O senador evangélico proferiu um discurso claramente religioso
na tribuna de um órgão republicano. E o pior é que ele reagiu à injusta
provocação de natureza político-religiosa feita por um ministro que é católico
e ex-seminarista (como fez questão de mencionar o iG). A Constituição Federal
garante a todos os brasileiros a liberdade de crença e de culto (art. 5º, VI,
da CF/88), mas o Estado não está ligado a qualquer religião e é proibido de
estabelecer, subvencionar ou embaraçar o funcionamento de cultos religiosos e
igrejas (art. 19, I, da CF/88). O Estado brasileiro é laico e os agentes
públicos devem valorizar o laicismo porque entre os objetivos da República está
o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, da CF/88). Nossa
Constituição, com razão, proíbe expressamente que os brasileiros sejam
divididos em campos antagônicos e inimigos por razões religiosas (art. 19, III,
da CF/88) e este princípio deve ser obedecido com rigor pelo Estado e pelos
agentes públicos por força do necessário respeito aos princípios da
impessoalidade, moralidade e legalidade (art. 37, da CF/88).
O discurso de Magno Malta e o tom que ele usou, portanto,
são bastante inadequados. Não menos inadequada foi a manifestação igualmente
religiosa feita por Gilberto Carvalho que, como ministro de Estado deveria
conhecer e respeitar os princípios constitucionais acima mencionados.
Apatia é injustificável
Estes dois homens públicos estão pregando a intolerância
religiosa e reavivando guerras sanguinárias que já mancharam o solo do país.
Pelo tom de suas manifestações fica claro que eles querem rasgar a Constituição
que construímos com sangue, suor e lágrimas ao fim de uma ditadura odiosa.
Então, precisamos dizer a eles que isto não será feito em nosso nome e,
principalmente, não sem nossa oposição. A CF/88 é nossa e nós, os brasileiros
tolerantes, vamos defendê-la contra os incendiários.
Tudo bem pesado, a apatia e a falta de interesse dispensada
pelo iG à disputa é injustificável. Os jornalistas têm que se posicionar sobre
esta questão, não para fortalecer este ou aquele partido (porque ambos, Magno
Malta e Gilberto Carvalho, estão errados), mas para defender o que nos é mais
caro: a tolerância religiosa, o laicismo e, sobretudo, o respeito à
Constituição Federal. A questão é relevante e precisa ser tratada com mais
seriedade pela mídia. Quem não quer ou não precisa de uma fogueira de grandes
proporções joga água nas primeiras brasas quando as mesmas aparecem.
***
[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]
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