Fonte: Blog Brasil Religioso
por Johnny Bernardo
Mather e Nichols (1993: 173) declaram que o Fundamentalismo
foi abraçado principalmente pelas igrejas presbiterianas e batistas, as quais
desejavam erguer uma voz de protesto contra os modernistas que defendiam o
Liberalismo e o Evolucionismo (Darwinismo), do século 19. O movimento, segundo
os pesquisadores, foi inspirado no livro “Os Fundamentos”, de 1909, e
popularizou-se em todo o mundo cristão a partir de 1925, quando William Bryan
(1860-1925) processou John Scopes, um professor de uma escola pública de
Dayton, no Tennessee, que lecionava Evolucionismo.
O termo Fundamentalismo passou a ser aplicado a várias
denominações consideradas conservadoras que continuam a repudiar o Liberalismo
que, nos Estados Unidos e também no Brasil, caracterizou-se pela aversão a
união civil homossexual, ao aborto, às pesquisas tronco-embrionárias. O
relacionamento entre Estado e Religião passa a ser, portanto, um meio viável de
controle do Liberalismo. Os conflitos entre católicos e protestantes, entre os
séculos XVI e XVII, e o fundamentalismo islâmico desencadeado antes do século
XX, são exemplos de que o extremismo religioso é um erro a ser evitado pela
comunidade internacional, pelas instituições democráticas.
A problemática não gira em torno apenas do Fundamentalismo,
mas também em torno do extremismo que, entende-se, ser uma camada ou casca
destrutiva, das quais não somente religiosos, mas também homossexuais e ateus
despontam. A defesa de pontos de vista, de ideologias, de culturas são
elementos garantidos pelo Estado Democrático e pela Declaração Universal de
Direitos Humanos (1948), mas não devem ultrapassar os limites legais, como o
uso da máquina pública como base avançada de difusão ideológica ou religiosa.
Tal significa dizer que homossexuais e evangélicos têm de se manter distantes
do Estado, o que não significa, no entanto, que um evangélico ou homossexual ou
mesmo um ateu não possa exercer um cargo público, no Executivo.
Stuart Hall, professor do Open University, na Inglaterra, e
autor do livro “A Identidade Cultural na Pós-modernidade”, declara que o
fenômeno do “fundamentalismo” surge como consequência do nacionalismo
partidarista e do absolutismo étnico e religioso que, nos novos aspirantes ao
status de “nação”, como os estados bálticos, na desintegração da Iugoslávia, do
movimento de independência de muitas das antigas repúblicas soviéticas, tentam
construir estados que sejam unificados tanto em termos étnicos quanto
religiosos, e criar entidades políticas em torno de identidades culturais
homogenias. Começando com a Revolução Iraniana, segundo Stuart, têm surgido, em
muitas sociedades até então consideradas seculares, movimentos islâmicos
fundamentalistas, que buscam criar estados religiosos nos quais os princípios
políticos de organização estejam alinhados com as doutrinas religiosas.
A assinatura, em 1648, de um Tratado que ficou conhecido
como “Paz de Westphália”, teve como principais resultados o estabelecimento de
um sistema laico de relações internacionais, o fim da Guerra dos Trinta Anos
(1618-48) e o estabelecimento da soberania de cada reino. À época dominada pela
Igreja Católica, a Europa passava por um período de intensos conflitos
regionais, tendo de um lado a dinastia Habsbugo, que detinha o poder sobre as
principais potências católicas, como Espanha e Áustria, e que visava criar um
império supranacional, e, do outro lado, as potências protestantes
escandinavas, que apoiavam as cidades comerciais e principados protestantes.
Embora a soberania territorial tenha sido estabelecida, dando aos reinos independência
com relação à escolha de uma determinada religião como oficial, sem
interferência externa, a Paz de Westphália deu início ao processo de laicização
e secularização dos Estados.
A realidade brasileira
A predominância, no Brasil colonial e monárquico, do
Catolicismo Romano (CR) como religião oficial, serve de exemplo de como a
ausência de um Estado laico pode ser prejudicial a uma nação. Mesmo depois de
estabelecida a República, em 15/11/1889, e a Constituição de 1891, a
perseguição ao Protestantismo Histórico e demais credos religiosos continuou a
ser uma realidade e, com a ascensão de Getúlio Vargas ao Poder, o CR volta a
exercer influência, sendo novamente reafirmada com a concordata entre o Brasil
e o Vaticano, firmada em 2008 e que concedia inúmeros privilégios ao CR.
Com o crescimento dos evangélicos brasileiros – havendo
hoje, segundo o Censo de 2010, do IBGE, cerca de 42,5 milhões de seguidores –
uma nova configuração (religiosa) ganha forma. As bancadas evangélicas, nas
assembleias estaduais e no Legislativo Federal, exemplificam a crescente força
do movimento, além de servir de base de estudos e especulações com relação à
futura composição religiosa nacional. As disputas em torno de temas como o
aborto e a união civil homossexual, por parte de lideranças evangélicas no
Congresso, devem ser vistas como possíveis temas a serem defendidos por um
governo composto por evangélicos? A laicidade seria preservada?
Dado o crescimento da igreja evangélica brasileira, sua
presença cada vez maior nos meios de comunicação de massa e na vida orgânica de
câmaras municipais, prefeituras, assembleias, e no Judiciário, torna-se
inevitável o não questionamento sobre uma futura composição evangélica nos
executivos municipais, estaduais e federais. Teríamos, no entanto, de
distinguir duas situações: primeira, um governo liderado por um evangélico;
segunda, de uma nação de maioria evangélica - o que seria uma inversão do atual
quadro religioso brasileiro, que aponta o Catolicismo Romano como dominante,
com algo em torno de 125 milhões de seguidores (IBGE, 2010). Em ambos os casos
haveria problemas relacionados à diversidade cultural, religiosa e secular.
Os questionamentos em torno do presidente da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano, servem
de exemplo e termômetro para um futuro questionamento que envolveria, por
exemplo, um presidente evangélico. Às críticas ao Feliciano residem
simplesmente no fato de ele ser evangélico, em um entendimento de que a CDHM
tem de ser dirigida por uma figura secular, que possa dialogar com os vários
setores da sociedade, vítimas de violações dos Direitos Humanos. No entanto,
apesar das críticas dirigidas por lideranças homossexuais, das 320 denúncias
recebidas anualmente pela CDHM, a grande maioria refere-se à violação de
direitos de presos e detenções arbitrárias, seguida de violência policial e
violência no campo (Câmara dos Deputados, Atividade Legislativa, 2013), não
atingindo, diretamente, os homossexuais, cujos direitos estão em processo de
legalização.
O caso Feliciano passa a ser, portanto, uma base de
entendimento e especulação sobre uma futura composição evangélica no Executivo.
Como se daria, por exemplo, a relação do Governo (no caso, presidido por um
evangélico) com os diversos credos religiosos, como o catolicismo (romano e
popular), às religiões afro-brasileiras, às de origem norte-americana (como as
Testemunhas de Jeová), e às religiões orientais (a exemplo do islamismo e das
diversas correntes de origem nipônica), cujo crescimento não deixa margem a
dúvidas de que o Brasil será, de fato, dentre alguns anos, composto por uma
multiplicidade de credos ou confissões. Alguns movimentos seculares, como de
homossexuais e ateus, também têm experimentado um significativo crescimento nos
últimos anos, mesmo que em termos ideológicos ou partidários, mas também
numérico.
Dada à diversidade de credos e opiniões da sociedade
contemporânea, a associação de uma determinada religião ou confissão religiosa
com o Executivo coloca em risco todo um processo histórico de luta pelo
Laicismo, de distanciamento do Poder Público da prática religiosa. Ao mesmo
tempo, a tentativa de utilização do governo como base de difusão ideológica,
como a protagonizada pela LGBT, também fere a independência do Estado na medida
em que um grupo da sociedade se impõe por meio de recursos governamentais, da
imposição de uma opção social de vida, particularmente por meio de materiais
financiados pelo Governo e distribuídos em escolas públicas, como o kit gay.
Tal não significa dizer, novamente, que um homossexual ou um evangélico não
possa assumir a presidência da República; o problema está no uso da máquina
pública com finalidade ideológica ou religiosa, não visando à diversidade!
O Brasil já foi governado por evangélicos
Embora diferente da conjuntura religiosa atual, o Brasil do
século XX foi governado por dois presidentes evangélicos, em um período
relativamente próximo – há um intervalo de 20 anos entre o término do primeiro
e o começo do mandato do segundo – e situações políticas semelhantes. O
primeiro, Café Filho (1899-1970), foi presidente do Brasil entre 1954-55, no
lugar de Getulio Vargas, que, em agosto de 1954, cometeu “suicídio”, no Palácio
do Catete, então sede do poder executivo brasileiro, localizado na cidade do
Rio de Janeiro. Membro da Primeira Igreja Presbiteriana de Natal (RN), onde
teria sido doutrinado no calvinismo, Café Filho entrou para a História do
Brasil como o primeiro presidente protestante (evangélico) do país. Apesar de
evangélico, Café Filho era defensor do direito ao divórcio, pelo o que foi alvo
de duras críticas e oposição por parte da Liga Eleitoral Católica – uma
organização que, entre as décadas de 40 e 50, atuou na defesa da fé e tradição
católica. Mesmo antes de assumir o comando da nação, o potiguar calvinista foi
alvo de vetos da LEC, quando, nas eleições de 1950, foi indicado para compor
como vice-presidente, ao lado de Getulio Vargas.
Menos fervoroso que Café Filho, porém com as mesmas crenças
fundamentais – com exceção do calvinismo -, Ernesto Beckmann Geisel (1907-1966)
era filho de imigrantes alemães, estudou no colégio protestante Martin Luther,
e, como os pais, era luterano. A relação da família Geisel com o protestantismo
advém de suas origens, na Alemanha. Segundo um registro encontrado em uma
comunidade evangélica de Kromberg, um dos mais antigos representantes da
família Geisel, Johann Philipp Geisel, aparece como um dos membros (FALCÃO,
1995: 7). Seu pai, Augusto Guilherme Geisel, lecionou em uma escola luterana do
município de Estrela (RS), e era membro de uma igreja luterana da mesma cidade,
da qual também participava Ernesto Geisel. Eleito 29º presidente, o luterano
descendente de alemães governou o Brasil entre 1974 e 1979, período em que foi
sancionada a Lei do Divórcio, como também teve inicio uma gradual diminuição da
censura e abertura política, que culminou com a eleição de João Figueiredo, em
1979, e que comandou o País até 1985, ano em que foi eleito Tancredo Neves, avô
do atual governador de Minas e provável candidato à Presidente (em 2014), Aécio
Neves. Tendo falecido antes da posse, foi sucedido por seu vice, José Sarney.
Embora o Brasil tenha sido governado por dois evangélicos,
há uma significativa diferença entre as décadas de 50 e 70, com a atual
dinâmica religiosa brasileira. Primeiro, as turbulências em torno de Getulio
Vargas, o fato de Café Filho ter exercido o cargo de vice-presidente, e ter
ocupado a Presidência por não mais que um ano – devido o falecimento de Vargas
-, são elementos que o desqualificam. A eleição de Ernesto Geisel, em 1974, à
presidente da República, também pode ser alvo de questionamentos, pelo o fato
de não ter sido eleito por meio do voto popular, mas por meio de uma eleição
indireta - pelo colégio eleitoral. Segundo, o número de evangélicos nos anos 50
e 70 era insuficiente para a eleição de um presidente evangélico, em comparação
com o número de católicos. Atualmente, no entanto, devido à diminuição no
número de fieis católicos – passou de 70,90% em 1970, para 64,6%, em 2010 – e o
crescimento cada vez maior do número de evangélicos – passou de 6,6% em 1970,
para 22,2% em 2010 - é um claro indício de que os evangélicos poderão, de fato,
alcançar o Poder dentre alguns anos – se cumprida à perspectiva de que, em
2030, representarão 50% da população brasileira. No entanto, deve-se ressaltar,
a ausência de unidade no universo evangélico brasileiro – como o distanciamento
entre protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais -, as disputas
nas bancadas evangélicas, e a existência de movimentos de inspiração socialista
são impeditivos a eleição de um evangélico.
Bibliografia
MATHER, George e NICHOLS, Larry. Dicionário de Religiões, Crenças
e Ocultismo. São Paulo: Vida, 1993
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio
de Janeiro: DP&A Editora, 2011
FALCÃO, Armando. Geisel: do tenente ao presidente. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1995
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