1 de março de 2012

Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU

Fonte: Carta Maior

Têm razão os que alertam para a necessidade de se entenderem os organismos internacionais de proteção de direitos humanos não como instâncias políticas para a solução de controvérsias, mas como instrumentos à disposição dos Estados, individuos e entidades para o cumprimento das obrigações assumidas em tratados e refletidas em garantias constitucionais.

Significativo o recente pronunciamento da ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, ao ensejo da 19ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, ao expressar, de forma inequívoca, não apenas o compromisso do Brasil em relação aos direitos humanos, mas também ao rebater a ideia de que o governo atual deixou de se interessar e de cooperar com os organismos internacionais de proteção de direitos humanos.

O discurso destaca as ações que o Brasil privilegiou nos últimos anos, no que concerne a políticas públicas que consagram a efetividade dos direitos reconhecidos em tratados, e, ao mesmo tempo, reafirma os interesses do Brasil em seguir protagonizando espaços de gestão e de representação em âmbito internacional.

A Ministra, após reconhecer o Conselho como o foro mais adequado para a promoção e para proteção dos direitos humanos, anunciou a candidatura brasileira para o mandato 2013-2015. A presidência do órgão já foi ocupada pelo México, Romênia, Nigéria, Bélgica, Tailândia e atualmente é exercida pelo Uruguai, na pessoa de Laura Dupuy Lasserre.

Criado em abril de 2006, pela Resolução 60/251, da Assembleia Geral da ONU, e sucessor da antiga Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Conselho impõe-se como um órgão intergovernamental formado por 47 países escolhidos regionalmente e que constitui parte do sistema ONU, tendo como primordial finalidade o aconselhamento à Assembleia Geral sobre questões de violação de direitos humanos.

Entre os procedimentos de que dispõe para promover a efetividade em matéria de direitos, dois se destacam especialmente: o primeiro, relativo ao “exame periódico universal” (Universal Periodic Review - UPR), que permite o exame de situações de direitos humanos adotados pelos 193 Estados membros da ONU. Trata-se de um sistema reconhecido como o mais universal por oportunizar aos Estados que declararem quais ações têm sido adotadas para promover a proteção dos direitos e o cumprimento das obrigações em relação aos compromissos assumidos internacionalmente.

O segundo mecanismo, conhecido com “procedimentos de denúncia”, permite aos organismos internacionais uma maior aproximação com situações concretas de violação de direitos, já que garante a denúncia tanto das vítimas e de respectivos familiares, como de organizações locais ou internacionais e que tratem de casos particulares ou de vulnerações flagrantes e generalizadas.

O Brasil foi eleito para ocupar uma das cadeiras do Conselho desde sua criação, tendo sido reeleito de 2008 a 2011, mas atualmente não participa da referida composição, o que reforça ainda mais os motivos para tal candidatura.

As razões que levam o Brasil a merecer espaço no Conselho, ocupando uma posição de destaque, devem-se, primeiramente, à exemplar atuação do país na entidade, tanto como protagonista de iniciativas importantes (citem-se as relacionadas à indivisibilidade dos direitos e da efetividade dos direitos sociais), como também por atuar tradicionalmente em questões do multilateralismo pela afirmação dos direitos fundamentais como valores democráticos.

Nesse sentido, o atual discurso do Brasil ocorre em momento especial, historicamente de colheita de frutos sociais a partir do forte aumento nos investimentos e na ênfase dada às políticas públicas sociais dedicadas à transferência e distribuição de renda, ao combate à pobreza, à diminuição da desigualdade à garantia de emprego e à inclusão social, programas considerados exemplos em todo o mundo.

O discurso brasileiro seguiu reafirmando a importância do Programa Nacional de Prevenção eCombate ao HIV/SIDA, iniciativa paradigmática que, além de garantir a distribuição gratuita de medicamentos, coloca em cheque a concepção mercantilista de saúde pública prevista nos acordos de comércio da propriedade intelectual relacionados a produtos farmacêuticos. A Ministra também anunciou a adesão do Brasil ao Terceiro Protocolo Opcional à Convenção dos Direitos da Criança, adensando o compromisso com a constitucionalização dos direitos humanos e reconhecimento de garantias previstas em diversos tratados internacionais que combatem a discriminação e promovem a igualdade, tendo também abordado o tema da promoção do direito que ampara lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais com a recente decisão do STF que reconheceu a constitucionalidade da união estável homoafetiva; também, em se tratando de pessoas com deficiência, o Plano “Viver sem Limite” foi lançado em 2011 para conferir estatura constitucional à Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência.

O discurso ainda percorreu o tema da imigração e o recente episódio do tratamento conferido aos haitianos, a realização Conferência das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável, conhecida como Rio +20, e finalizou destacando a marcante iniciativa brasileira em matéria de transição democrática e afirmação de direitos políticos e civis, a aprovação não apenas da Comissão da Verdade, mas também a da Lei Geral de Acesso à Informação, estabelecendo condições para investigação de graves ocorrências de violação perpetradas pelo Estado durante a ditadura, além de se empenhar na plena transparência no que concerne ao acesso a documentos públicos.

Por tantas razões, e igualmente por outras não mencionadas, o país esbanja créditos para se candidatar ao cargo que pleiteia no Conselho de Direitos Humanos, credenciando-se, também pelas lutas que abraça, a outras candidaturas programadas na seara diplomática, como a de Wanderlino Nogueira Neto para o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas, e a de Roberto Caldas, para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No caso da Corte Interamericana, a candidatura de um brasileiro contradiz a ideia de que o país não estaria disposto a prosseguir cooperando e respeitando os compromissos no contexto da Organização dos Estados Americanos (OEA). O Brasil aderiu à competência contenciosa da Corte em 1998. De 1994 a 2008, a excepcional colaboração do jurista Antônio Augusto Cançado Trindade, ocupando entre 1999 e 2004 o cargo de presidente da Corte e, atualmente, atuando como membro do Tribunal Internacional de Justiça, marca um perído de efetivas e incontestáveis realizações.

O nome defendido pela Ministra Maria do Rosário e designado na data de hoje pela Presidenta Dilma Rousseff para concorrer a o cargo de juiz permanente da Corte se soma à tradição brasileira de produzir jurístas proeminentes. Roberto Caldas é advogado que se destaca nas causas sociais e sindicais, atualmente integrande da Comissão de Ética Pública da Presidência da República e juíz ad hoc da Corte Interamericana, responsável por julgar as causas em que o Brasil seja parte, entre elas o recente caso conhecido como “Caso da Guerrilha do Araguaia”.

Têm razão os que alertam para a necessidade de se entenderem os organismos internacionais de proteção de direitos humanos não como instâncias políticas para a solução de controvérsias, mas como instrumentos à disposição dos Estados, individuos e entidades para o cumprimento das obrigações assumidas em tratados e refletidas em garantias constitucionais. Por outro lado, é inevitável identificar a representação dos órgãos a partir da coerência e a dos esforços realizados por cada Estado individualmente e, nesse sentido, também é uma avaliação política.

Ao se candidatar a cargos de representação e liderança internacional em matéria de direitos humanos, o Brasil deixa claro, tanto para a comunidade internacional como para a sociedade brasileira, que se determinou a participar dos espaços para os quais se credencia, fazendo também uma escolha do tipo de sociedade e de projeto de comunidade internacional que deseja participar e construir.

Carol Proner é doutora em direito, Coordenadora do Mestrado em Direito da UniBrasil e Codiretora do Programa Máster-Doctorado em Derechos Humanos da UPO-Sevilla-ES.

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