21 de novembro de 2011

A política de cotas raciais nas universidades brasileiras segundo o TRF4


19/nov/2011
Análise sobre a política de cotas raciais nas universidades brasileiras segundo a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com o intuito de averiguar a viabilidade de adoção desses institutos como mecanismos de concretização da igualdade material e de promoção da inclusão social.


 
A simples inclusão do princípio da igualdade no rol dos direitos fundamentais não se mostrou suficiente à concretização da isonomia e à efetiva redução das desigualdades sociais.
Diante disso, revelou-se indispensável a adoção de mecanismos capazes de concretizar a igualdade material e promover a inclusão social de grupos marginalizados. Nessa senda, surgem as ações afirmativas: políticas públicas, de caráter transitório, destinadas a concretizar o ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais e mitigar os efeitos da discriminação.
No Brasil, considerando-se a significativa discriminação da população negra no acesso ao ensino superior (a população negra e parda corresponde a 51,1% da população brasileira. Contudo, negros e pardos representam, respectivamente, tão-somente 28,2% e 31,8% dos jovens universitários), bem como a notória precariedade do ensino público fundamental e médio, e, ainda, a pequena disponibilidade de vagas no ensino público superior púbico, uma das principais modalidades de ações afirmativas instituída foi à adoção de cotas raciais nos concursos vestibulares das universidades públicas brasileiras. Todavia, tal sistema vem despertando intensa polêmica e discussão, notadamente no que se refere aos critérios adotados para seleção dos beneficiários das cotas.
Dentro desse contexto, diversas demandas foram intentadas a fim de discutir a constitucionalidade do emprego de tais políticas sociais, notadamente no que se refere à adoção do critério racial para a seleção dos destinatários dessas medidas.
Impõe-se, portanto, neste momento, analisar algumas decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, objetivando verificar o posicionamento da Corte em relação à constitucionalidade das cotas raciais nas universidades brasileiras.
A análise jurisprudencial demonstrou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região modificou seu entendimento acerca da constitucionalidade da política de cotas raciais nas universidades brasileiras.
O estudo revelou que, inicialmente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendia que as cotas raciais seriam um direito da população negra, capaz de promover a inclusão social e melhorar as relações raciais na comunidade universitária.
Com efeito, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região sustentava a constitucionalidade do critério raça como fator de discrímen, aduzindo se tratar de critério compatível com as finalidades e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, notadamente com aqueles expressamente consagrados no artigo 3º da Carta Magna brasileira.
A posição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região indicava que, diante da significativa discriminação da população negra no acesso à educação, ainda que as cotas raciais não fossem o mais adequado instrumento à promoção de sua inclusão social, estas representariam um importante mecanismo de construção de uma sociedade pluralista e equilibrada em diversificação racial, apresentando-se como uma solução ao constante processo de desvantagem dos negros no Brasil. Ademais, para a Corte, a adoção do critério racial acarretaria a eliminação da sedimentação de privilégios raciais e a conseqüente exclusão injusta, racista e elitista de grupos sociais.
De outro lado, relativamente à suposta violação do princípio da igualdade, viu-se que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região posicionava-se no sentido de inteira adequação da política de cotas raciais a este princípio, visto que o ideal da isonomia impõe a adoção de medidas que visem à criação da igualdade material, sob pena de sua inteira violação. Conforme se verificou, a Corte entendia que o princípio da igualdade, mais do que um mandamento de uniformização e antidiferenciação, exigiria a adoção de tratamentos diferenciados em face de situações fáticas desiguais, proibindo a manutenção de tratamentos tendentes a perpetuar a discriminação e a desigualdade social, em razão do que as ações afirmativas de cotas raciais seriam medidas constitucionalmente legítimas, porque, ao introduzirem um tratamento desigual, produziriam, no futuro e em concreto, a igualdade preconizada no rol dos direitos fundamentais.
Ademais, a análise jurisprudencial mostrou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região adotava o entendimento de que as cotas raciais seriam institutos compatíveis com o princípio da proporcionalidade, pois o Estado não teria o dever de promover o melhor e mais seguro meio de efetivação da igualdade material, mas, sim, o dever de efetivamente instituir medidas tendentes a mitigar os efeitos da discriminação praticada ao longo de nossa história, sendo que, ao revés, a eliminação do sistema de cotas é que acarretaria a violação do princípio da proporcionalidade pelo seu aspecto de “proibição de insuficiência”, visto que o Estado não adotaria medidas suficientes a garantir os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.
Contudo, o presente estudo demonstrou que tal posicionamento restou modificado, passando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região a adotar uma posição em que a política de cotas, pautada tão-somente em critérios raciais, provocaria a violação dos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade, originando uma distorção do programa de ações afirmativas.
O atual entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aduz que a instituição de cotas raciais, mediante a reserva de vagas a determinado grupo de vestibulandos padece de vício de legalidade, visto que a União possui competência privativa para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, sendo que as universidades não poderiam impor vedações ou instituir direitos de forma discricionária e arbitrária, sendo indispensável, para tanto a edição de lei em sentido estrito, que instituísse critérios uniformes e seguros para a seleção dos candidatos.
Ainda, quanto à adoção do critério racial para seleção dos beneficiários do programa de cotas, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região passou a entender que este violaria o artigo 3º da Constituição Federal, que proíbe a discriminação em virtude da raça, sendo que, em razão disso, nem mesmo uma Lei Ordinária poderia instituir um programa de cotas pautado em critérios raciais. Além disso, segundo a Corte, tal critério resultaria em casuísmos e arbitrariedades, visto que a população brasileira é formada pela miscigenação de diversos povos, não havendo, pois, critério preciso para se identificar alguém como negro ou branco. Outrossim, a Corte sustenta que as classes menos favorecidas não poderiam ser reduzidas a negros, sendo que o mais adequado seria a instituição da política de cotas destinadas a alunos pobres, egressos de escolas públicas, ressaltando que, mesmo nessa hipótese, a medida deveria estar amparada em lei.
Ademais, a Corte passou a se posicionar no sentido de que a política de cotas raciais viola diretamente o princípio da igualdade, visto que, ao beneficiarem determinado grupo de candidatos, tais medidas discriminariam os demais candidatos que não se enquadram nos critérios de seleção do programa, acarretando uma diminuição das vagas anteriormente destinadas a esse grupo.
Concluiu-se, portanto, que, apesar de haver precedentes que reconheçam a constitucionalidade e a viabilidade da adoção da política de cotas raciais, como mecanismo eficaz na promoção da igualdade material e da inclusão social, a tendência atual da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é a de afastar a legalidade do sistema de cotas pautado apenas em critérios étnico-raciais. Ou seja, vislumbrou-se um retrocesso da jurisprudência da Corte, que passou a excluir do ordenamento jurídico brasileiro um eficaz instrumento de concretização da igualdade material, de mitigação da discriminação racial e de promoção da inclusão social de grupos marginalizados.


REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação em Mandado de Segurança n.º 2005.70.00.008336-7/PR, da 3ª Turma.
______. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação/Reexame necessário n.º 2009.72.00.000847-1/SC, da 3ª Turma.
______. Tribunal Regional Federal (4. Região). Agravo de instrumento n.º 2008.04.00.013342-4/RS, da 3ª Turma.
______. Tribunal Regional Federal (4. Região). Agravo de Instrumento n.º 2009.04.00.007415-1/RS, da 3ª Turma.
______. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação Cível n.º 0002699-34.2009.404.7102/RS, da 4ª Turma. 

Fonte: DireitoNet

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