Quarta edição da Mostra Cinema e Direitos Humanos reúne de hoje a domingo, no CCBB, filmes que abordam questões como massacre de índios, miséria, cadeia e preconceito racial Ricardo Daehn - Correio Braziliense "O audiovisual é uma grande demanda, por questões estratégicas e como meio de afirmação de identidade para os indígenas. Internamente, no grupo, ainda carrega a função de preservar memória", observa o cineasta Vincent Carelli, presente em boa parte da 4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, atração do Centro Cultural Banco do Brasil em exibição a partir de hoje. Com sete títulos integrados à seleção feita pelo curador Francisco Cesar Filho, num universo de 70 filmes, o segmento de fitas feitas para ou por índios — no qual, há 24 anos, Carelli azeita um processo de formação continuada — é vistoso na homenagem realizada no CCBB. Vale registrar a primeira exibição brasiliense do documentário Corumbiara, vencedor de cinco prêmios Kikito no mais recente Festival de Cinema de Gramado. A 4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos alimenta a expectativa de Carelli, que, pioneiro na facilitação do acesso de índios às câmeras, antevê mais trabalho, agora no posto de distribuidor das autênticas produções. Ele comemora estímulos como créditos do programa Cultura Viva e o prêmio Culturas Indígenas. "Vi minha série Índios no Brasil cair em domínio público e ter melhor acesso (via internet) para as escolas que tanto a requisitavam. Torço pela implementação do aprendizado de culturas indígenas nas escolas, seguindo o decreto. Iniciativas como a distribuição da coleção Cineastas indígenas para 3 mil escolas públicas e mil pontos de cultura também nos fortalecem", observa Carelli. Na extensa grade da mostra, que totalizará 40 sessões (com projeção digital), estão títulos de peso, como Esse homem vai morrer — Um faroeste caboclo (de Emilio Gallo), que mostra 14 sentenciados à morte (depois da chegada a Rio Maria, no Pará), e a obra internacional e coletiva Histórias de direitos humanos, que aglomera curtas de cineastas como Pablo Trapero, Zhang Ke Jia e a dupla Walter Salles e Daniela Thomas. Oportunidade rara O evento traz também rara oportunidade para assistir a filmes de diretoras como Luciana Burlamaqui e Clarissa Duque, respectivamente, representadas por Entre a luz e a sombra e Tambores de água: Um encontro ancestral. No primeiro título, o grupo de rap 509 (acompanhado por sete anos) imprime a possibilidade de reintegração social para encarcerados do Carandiru, enquanto o segundo expõe a música como forma de união entre as raízes africanas e cidadãos venezuelanos. Outro longa-metragem detido em questões raciais a ser apresentado é Também somos irmãos, que demonstra o cuidado de Francisco Cesar Filho com a vertente da preservação da memória. Feita em 1949, a produção nacional encabeçada por Grande Otelo e Ruth de Souza desfila o preconceito enfrentado por integrantes de uma família criada por um viúvo que adota quatro crianças, duas delas negras e duas brancas. Na perspectiva histórica, o ano de 1973 se projeta importante, tanto pela finalização de O realismo socialista (que terá segmento extraído da duração original de quatro horas, em torno do julgamento de um trabalhador), feito pelo chileno Raoul Ruiz, quanto por ter, de fato, sido cenário para a peculiar história do embaixador sueco Harald Edelstam, visto como grande salvador em golpe militar recriado no filme O cavaleiro negro (2007). A mostra do CCBB tem como feito estender a repercussão do longa documental Garapa(1) (de José Padilha, de Ônibus 174), pouco visto nas salas nacionais de cinema. "O filme se detém na insegurança alimentar grave, para usar o termo correto. Existe uma profusão de dados sobre fome disponíveis na internet. Falta, porém, a noção do que significam esses dados no dia a dia das pessoas. Uma coisa é ler estatística, outra é lidar com o problema", comentou o diretor, à época do lançamento da fita. 1 - Famintos Duas semanas foi o tempo que o filme Garapa (de José Padilha) resistiu no circuito de exibição de Brasília. Captado em Super 16mm, o documentário — feito com R$ 650 mil — dá margem à polêmica (na linha de Tropa de elite), tendo como centro a realidade de fome inscrita na vida de três famílias brasileiras. É parte do retrato que se multiplica em um universo que massacra 11 milhões de famintos no país. O número 36 Número de filmes que serão exibidos até domingo
Aldeia midiática
Vincent Carelli comenta alguns dos filmes da mostra, feitos para ou por índios.
O espírito da TV (curta-metragem)
"É uma espécie de pedra fundamental do nosso projeto. Com a circulação de vídeo e tevê por aldeias do Amapá, os índios chegam a reflexões políticas e filosóficas sobre as próprias imagens deles"
Corumbiara (premiado longa-metragem)
"Ganhar o Festival de Cinema de Gramado rendeu muita mídia, ampliando o reconhecimento ao nosso trabalho. Corumbiara é uma denúncia avassaladora de um massacre em Rondônia. Emocionalmente impactante, é um filme atípico (autobiográfico) pra quem sempre se preocupou em dar voz aos índios" A arca de Zo'é (curta codirigido por Dominique Tilkin Gallois)
"Tratamos do enlace dos povos Waiãpi e Zo'é, animados pela proximidade linguística de ambos"
De volta à terra boa (curta codirigido por Mari Corrêa)
"Mostra o histórico contato dos Panará com brancos. Eles tiveram 80% da população dizimada e passaram 23 anos exilados na reserva do Xingu, até a demarcação da terra de origem deles"
Relicário da dor Em meio a títulos impactantes como À margem do lixo (de Evaldo Mocarzel) e Pro dia nascer feliz (de João Jardim), a mostra amplia o alcance da televisiva Trago comigo (2009), conduzida pela paulista Tata Amaral. "É uma série de tevê que está extrapolando os limites convencionais. Fiz uma obra experimental com quase toda a equipe de Um céu de estrelas. É um produto bem cinematográfico, apesar de gravado num teatro, com câmera digital", explica a diretora. Traço corrente nas fitas selecionadas para a mostra, há misto de ficção e realidade nas três horas da série. "A proposta é de mergulho no passado, ao se lançar luz sobre episódios difusos. Tudo parte da história de um diretor de teatro (Carlos Alberto Riccelli) que improvisa uma peça com os atores, acionando o gatilho das próprias memórias que, em vez de renderem flashback, remetem a um tempo futuro da própria montagem", diz Tata, atualmente envolvida com a pré-produção do longa-metragem Hoje (adaptado de Fernando Bonassi), sobre a mulher de um militante desaparecido. Exibida na TV Cultura e orçada em R$ 530 mil, Trago comigo é permeada por depoimentos de ex-presos políticos como José Genoino e Maria Amélia de Almeida Teles. Dizendo-se uma "militante secundarista, já no período light de 1976", Tata contou com a consultoria da diretora Lucia Murat (de Que bom te ver viva) que, com a experiência de ex-militante presa, injetou veracidade em cenas como as do assalto a banco praticado por guerrilheiros. Confira a programação completa da mostra |
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