14 de agosto de 2009

Comissão de Relações Exteriores aprova acordo assinado entre o Governo e a Santa Sé


 
Documento pode ser visto como símbolo do poder da Igreja Católica
 
A Comissão de Relações Exteriores aprovou nesta quarta-feira (12/08/09), em Brasília, o acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé, que estabelece o novo Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Sete deputados votaram contra o acordo, entre eles o deputado Ivan Valente (Psol – SP), que declarou "que a CCJ devia se manifestar pela inconstitucionalidade, porque aqui há um acordo entre um Estado republicano democrático e um Estado teocrático". A concordata precisa passar ainda pelas comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público, de Educação e Cultura , de Constituição e Justiça e de Cidadania, mas, aprovada a urgência de tramitação, o documento pode ir direto para votação no Plenário. O presidente Lula, que em visita ontem à Catedral Presbiteriana do Rio pediu a bênção para a ministra Dilma Roussef e o vice José Alencar, falou a favor de uma cooperação entre Estado e instituições religiosas, o que pode ser interpretado como uma sinalização positiva à aprovação do acordo.     
 
Os problemas da concordata, negados por seus defensores, estão em debate na imprensa desde o fim do ano passado, apesar da fraca cobertura e divulgação. A expectativa era de que a Comissão de Relações Exteriores, em respeito à Constituição e a toda população brasileira, não aceitasse um documento que representa tão abertamente a situação de poder e privilégio da Igreja Católica no país.  
 
As discussões das últimas semanas levantaram temas como pluralismo, tolerância, os limites entre o público e o privado, democracia e a corrida das igrejas pela conquista de mais e mais fiéis numa disputa ferrenha de estratégia e controle midiáticos. A compra de emissoras de rádio e tevê e de veículos impressos por instituições religiosas, como a questionável Renascer em Cristo, é uma prática cada vez mais forte desde os anos 90. São as novas Cruzadas. É nesse contexto que a experiente Igreja Católica faz mais uma de suas manobras na busca de privilégios que lhe garantam, entre outros, o maior número de seguidores. Em artigos que garantem a imunidade tributária às autoridades eclesiásticas, bem como ao "patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais" (Art.15 do acordo), a Igreja Católica amplia o uso dos recursos do Estado para fins de evangelização. O que também acontece quando se procura garantir a entrada do ensino religioso, mesmo com matrícula em "caráter facultativo", como disciplina do horário normal das escolas públicas de ensino fundamental.
 
Através da assinatura de um acordo entre o Governo e a Santa Sé, a instituição sutilmente reafirma sua supremacia não só religiosa, mas, sobretudo, política e econômica no Brasil. É disso que fala Marcos Nobre , no artigo "Fé na Mídia" (Folha de São Paulo, 04/08/09). Nobre afirma que "se seitas protestantes costumam ser mais bem-sucedidas na aquisição direta de meios de comunicação de massa, a Igreja Católica responde com seu poder secular" e lembra que já "em 1997, durante o governo FHC, conseguiu aprovar a lei que garante o ensino religioso nas escolas do nível fundamental". Sobre a assinatura do acordo com a Santa Sé pelo governo Lula, o pesquisador escreve: "É de esperar que a Câmara dos Deputados o rejeite".
 
O discurso agora adotado pelos partidários da concordata deixa clara a confusão que se faz com os conceitos de Estado Laico, Democracia e pluralismo. Reproduziu-se pela mídia a justificativa de que a assinatura do acordo atende ao interesse da maioria da população brasileira, católica. Como bem assinala Roberto Livianu em "Sagrada laicidade", texto publicado também pela Folha de São Paulo, no dia 07/08/09, "isso é negar a essência da democracia. Porque, no sistema democrático, a voz da maioria prepondera na escolha do governante. Mas o eleito, passadas as eleições, deve governar para todos, incluídas as minorias, e não apenas para a maioria que o escolheu". Livianu lembra também do histórico decreto 119 – A, que estabelece a separação entre Igreja e Estado.
Sancionado pelo então Chefe do Governo Provisório da República, Marechal Deodoro da Fonseca, a 7 de janeiro de 1890, já no primeiro artigo diz: "Art. 1º E' prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas". No Artigo 5º, decreta: "A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto". http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D119-A.htm
A votação da concordata em Brasília acontece justamente quando se estuda uma ação do Ministério Público Federal de São Paulo pedindo a retirada de símbolos religiosos como o crucifixo e a bíblia de repartições públicas federais. Caso a ação seja aprovada pela Justiça Federal, as repartições terão 120 dias para cumprir a decisão. Parece mais simples remover esses símbolos, facilmente reconhecíveis, das paredes de edifícios públicos, do que impedir a entrada subliminar de um outro, até mais poderoso, porque ratificado pela instância política maior do país, o Acordo Brasil – Santa Sé.  
 
 
 

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