Fortaleza, 20 de Fevereiro de 2013
O Encontro Nacional de Ateus é promovido desde 2012, ocorrendo simultaneamente em todo o território nacional, e tem como foco principal a troca de experiências e o debate entre ateus, agnósticos, céticos e religiosos.Sua segunda edição cearense foi realizada no dia 17 de fevereiro de 2013, no auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O evento foi organizado pela Sociedade Racionalista e apoiado pela LiHS (Liga Humanista Secular do Brasil), associações com atuações voltadas ao debate, trocas de informações e promoção de reflexões sobre ciência, ateísmo, humanismo e religião, além de pautarem a laicidade do Estado e combate à intolerância religiosa.
Um dos destaques do Encontro foi a participação de Sebastião Ramos, fundador e presidente da ABRAVIPRE (Associação Brasileira de Apoio a Vítimas de Preconceito Religioso). Essa associação surgiu com base na experiência do próprio fundador, vítima de preconceito religioso por parte das Testemunhas de Jeová ao ser desassociado (expulso) da congregação.
No evento, dentre os vários temas, discutimos com mais vigor sobre a interferência dos interesses religiosos cristãos postulados normativamente pelo Estado, com a pretensão inconstitucional de generalizar, por lei, as morais e os costumes da parcela majoritária da população, em detrimento das visões de mundo das minorias e seus direitos constitucionalmente garantidos. Nesse sentido, podemos exemplificar com alguns recentes Projetos de Lei:o proposto pela deputada Myriam Rios, do Partido Social Democrático (PSD) do Rio de Janeiro, e sancionado pelo governador Sérgio Cabral: Lei nº 6394 de 16 de janeiro de 2013, intitulado “Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais”; o de obrigatoriedade da frase “Deus seja louvado” nas cédulas de real, de autoria do deputado Eduardo da Fonte, do Partido Progressista (PP) de Pernambuco: Lei 4710/12;
No final do encontro, decidimos pela constituição de um grupo que se movimente no sentido de exigir a laicidade do Estado, constantemente ferida por propostas, deliberações e leis que afligem a diversidade religiosa e cultural do país, como exemplificado acima.
A realidade dos ateus no Brasil
Almejando uma sociedade mais aberta ao debate com as minorias sociais, buscamos nos firmar como movimento social a fim de exigir direitos e atuar – por meios legais – no combate à intolerância religiosa. Não buscamos sobre hipótese alguma ir contra as religiões, mas sim combater suas interferências no âmbito político e buscar diálogo com as demais minorias criando um canal de interação político-social.
Respaldados pela Constituição, mais precisamente na Lei Federal nº 7.716, art. 1º e art. 14º, que trata da discriminação religiosa, levando em consideração que liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença, queremos mudar uma realidade historicamente construída no país, o preconceito contra os ateus e pessoas sem religião. São muito frequentes os casos de descrentes que sofrem diversas formas de violência por parte de quem não tolera sua não crença e não respeita seu direito a tal posicionamento.
As discriminações podem assim ser basicamente expostas:
Preconceito na família
O preconceito nessa dimensão, na qual familiares religiosos fanáticos investem em brigas, muitas vezes violentas, com seus parentes quando desconfiam ou descobrem que deixaram de acreditar em divindades ou quando eles assumem sua descrença é uma realidade perceptível em muitos relatos. A discriminação familiar pode vir em tom reprovatório, quando o familiar diz que lamenta e/ou repudia seu ateísmo, faz sermões coercitivos ou mesmo impõe castigos ou lhes corta direitos, violência não menos cruel por ter caráter simbólico/psicológico.
Preconceito na Escola
Nas escolas, a discriminação pode vir por parte de professores, colegas e funcionários e potencializada pelo ensino religioso, enquanto este não abrange a diversidade religiosa e cultural do país, generalizando ou desconsiderando minorias, incluindo aqui o ateísmo ou outras formas de não crença, em detrimento da normatividade cristã. Além estar sendo fonte de promoção da religião, o que não tem respaldo segundo o princípio de laicidade do Estado. Nesse sentido, o indivíduo identificado como ateu está vulnerável a uma série de discriminações por não pertencer a religião alguma, sendo-lhe atribuídos valores negativos com base em preconceitos. Vale ressaltar que o próprio termo “ateu” possui no senso comum grande carga pejorativa.
Preconceito no Trabalho
Sendo um ambiente também exposto às interferências de cunho religioso, o ateu pode ser discriminado no trabalho por não compartilhar das crenças de seus colegas ou superiores, estando sujeito a intolerâncias e coerções.
De tão pouco relatadas, denunciadas e discutidas nos meios de comunicação, entre a população ou entre o poder público, pode-se suspeitar que a violência moral ou física dirigida aos ateus talvez nem exista no Brasil. Portanto, é importante dar visibilidade a esse tema tão conexo a outras formas de intolerância contra minorias sociais, como em relação às religiões de matriz africana, espíritas ou comunidade LGBT.
Nesse sentido, por meio deste documento, que demarca o início de uma mobilização por esse grupo, postulamos, bem como outros sujeitos representantes de minorias sociais, a exigência de respeito pelo poder público ao princípio de laicidade do Estado e o amparo às vítimas de intolerância religiosa.
Assim, tomamos três posicionamentos iniciais:
1. Adesão à luta da Associação de Apoio a Vítimas de Preconceito Religioso (ABRAVIPRE), que trabalha com base nos preceitos constitucionais a fim de combater a intolerância religiosa. Tendo aqui exemplificada sua pauta de contestação judicial das ações promovidas pela congregação Testemunhas de Jeová no sentido de incentivar hostilidades contra ex-associados, contrariando as noções de liberdade de crença garantida pela Constituição Federal e pela Declaração Universal de Direitos humanos.
2. Declararmos oposição às proposições dos vereadores Walter Cavalcante e Elpídio Nogueira de transmissão de missas e cultos na TV Câmara de Fortaleza, pois entendemos que, além se estar desrespeitando a pluralidade religiosa e cultural brasileira, sendo esta uma emissora pública, não lhe cabe promover conteúdo religioso em respeito ao art. 19º da Constituição Federal.
3. No dia 25 de Março comemora-se a Abolição da Escravatura no Brasil, então, como o Ceará coleciona um histórico de lutas por liberdades que em alguns aspectos mudaram a história do país, propomos à CDH da Câmara realizar uma audiência pública com todos os seguimentos que lutam contra o preconceito religioso no sentido de ampliarmos a discussão com a sociedade sobre este tema, que se mostra muito necessário.
DOCUMENTO COMPOSTO PELAS REPRESENTAÇÕES DA:
Associação Brasileira de Apoio a Vítimas de Preconceito Religioso (ABRAVIPRE)
Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) - Núcleo Ceará
Sociedade Racionalista – Equipe Ceará
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