1 de novembro de 2012

Decisão judicial mantém índios guaranis-kaiowás em fazenda no Mato Grosso do Sul



Marina Motomura
Do UOL, em Brasília

Arte/UOL
Uma decisão do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3) suspendeu nesta terça-feira (30) a reintegração de posse da área ocupada pelos índios guaranis-kaiowás, na fazenda Cambará, no município de Iguatemi, no sul do Mato Grosso do Sul. Assim, os índios poderão continuar ocupando a área em disputa. A decisão de hoje se refere a uma liminar anterior, favorável era à manutenção de posse proposta por Osmar Luis Bonamigo, dono da fazenda, expedida por um juiz dederal da 1ª Vara de Naviraí (MS).
"Concedo o efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para determinar a mantença dos silvícolas da Comunidade Indígena Pyelito Kue exclusivamente no espaço atualmente por eles ocupado, delimitado em 1 (um) hectare, ou seja, 10 (dez) mil metros quadrados, até o término dos trabalhos que compreendem a delimitação e demarcação das terras na região, com a ressalva de que tudo o que foi aqui estabelecido deve ser  estritamente observado por todas as partes envolvidas", afirma a desembargadora federal Cecilia Mello.
"De acordo com essa decisão, os indígenas ficam onde estão! Agora lutaremos para agilizar
o processo de estudos para demarcação desse território", disse a ministra Maria do Rosario, da Secretaria de Direitos Humanos, em seu Twitter. Os indígenas se reuniram com ela nesta terça-feira pela tarde.
“O caso dos autos reflete, de um lado, o drama dos índios integrantes da Comunidade Indígena Pyelito Kue que, assim como outros tantos silvícolas brasileiros, almejam de há muito a demarcação de suas terras. E, de outro lado, o drama não menos significativo daqueles que hoje ocupam terras supostamente indígenas que, na maioria das vezes, adquiriram a propriedade ou foram imitidos na posse de forma lícita e lá se estabeleceram”, diz o texto da desembargadora Cecilia Mello.
“Acrescente-se, ainda, que os indígenas se encontram em situação de penúria e de falta de assistência e, em razão do vínculo que mantêm com a terra que creem ser sua, colocam a própria vida em risco e como escudo para a defesa de sua cultura”, afirma Mello.
  • Wilson Dias/Agência Brasil
    Em protesto realizado no dia 19 de outubro, índio guarani-kaiowá coloca cruz diante do Congresso para pedir proteção a índios da etnia no MS
A desembargadora também revogou a multa da decisão judicial anterior, que era de R$ 500 ao dia.

Entenda o caso

A área habitada por 170 integrantes da etnia guarani-kaiowá é disputada há décadas por índios e fazendeiros. Em setembro, o mesmo TRF-3 determinou a reintegração de posse, com a retirada das famílias indígenas do local, mas eles se recusam a deixar a região e chegaram a dizer que vão "lutar até morrer". A fala dos índios chegou a ser interpretada como tentativa de suicídio coletivo, gerando polêmica nas redes sociais.
Os indígenas ocupam 2 hectares da fazenda Cambará, no município de Iguatemi, que possui 762 hectares, desde 29 de novembro de 2011, segundo a Procuradoria Geral da República. A área ocupada faz parte da reserva de mata nativa, que não pode ser explorada economicamente. Eles foram para esta área depois de um ataque ocorrido em 23 de agosto de 2011, quando pistoleiros armados investiram contra o grupo, ferindo crianças e idosos e destruindo o acampamento, montado à beira de uma estrada vicinal.
A partir de então, várias decisões judiciais têm gerado polêmica sobre a ocupação da área pelos indígenas.
No início do ano, a Justiça deu um prazo para que um grupo de índios guarani-kaiowá da Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, em Mato Grosso do Sul, desocupasse a área, que é reivindicada por fazendeiros. A justificativa, segundo informação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na região, foi que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não apresentou o relatório de identificação da terra.
  • Wilson Dias/Agência Brasil
    Índios protestam em São Paulo contra a construção da usina de Belo Monte e contra a ordem de despejo de comunidades da etnia Kaiowa que vivem às margens do rio Hovy, em Navirai (MS)
Também neste ano, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deu parecer recomendando que a demarcação de terras indígenas deve continuar em Mato Grosso do Sul. Ele se manifestou em recurso que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que suspendeu a demarcação de terras no estado atendendo a um pedido da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Femasul).
Na semana passada, o MPF (Ministério Público Federal) em Dourados (MS) ajuizou recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região -- recurso este que foi aceito agora -- em face da ordem de manutenção de posse da fazenda. O MPF pede a reforma da decisão que determinou a saída dos índios ou, ao menos, a permanência da comunidade indígena na área ocupada até que sejam concluídos os estudos antropológicos aptos a determinarem a tradicionalidade da ocupação.
Ontem, um grupo de seis indígenas da comunidade guarani-kaiowá esteve reunido com a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, em Brasília, para entregar um documento em que relatam os problemas ocorridos na comunidade.
Após a reunião, os representantes de oito etnias indígenas informaram que pretendem recorrer a tribunais internacionais, como a OEA (Organização dos Estados Americanios), caso a Justiça determine que eles deixem a área em disputa.
Segundo o índio Otoniel Ricardo Guarani-Kaiowá, representante do conselho da articulação dos povos indígenas do Brasil, houve um suicídio na tribo, de sexta-feira (26) para sábado (27) e, na semana passada, houve um caso de estupro de uma índia de 23 anos de idade. 

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