O Conselho considerou que a sociedade também é legitimamente composta
por pessoas de religiões não cristãs, de ateus, de sem religião para os
quais o atrelamento do Estado ao cristianismo pode significar uma
violência simbólica.
Segundo a doutora em antropologia da religião Renata de Castro Menezes, o
Estado não estaria extrapolando o seu papel ao aprovar tal lei, pois,
se estamos falando de locais públicos, como repartições de atendimento
ao cidadão, trata-se de estabelecer um acordo mínimo de abertura à
diversidade, dentro de certos princípios de convivência social.
A decisão foi aprovada por unanimidade pelos cinco desembargadores que
compõem o Conselho. Considera-se que ausência de envolvimento religioso
em assuntos governamentais, bem como ausência de envolvimento do governo
nos assuntos religiosos (Estado laico) protege a liberdade religiosa de
qualquer cidadão ou entidade, em igualdade de condições, e não permite a
influência da religiosidade no que seja público.
A sessão de votação foi acompanhada por diversos movimentos sociais como as ONGs Somos, Nuances, Themis, a Marcha Mundial das Mulheres, Rede Feminista de Saúde, além da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). Em seu blog, a LBL afirmou
que a decisão é um importante passo na separação entre Estado e
religião, o que pode vir a facilitar discussões sobre temas como estudo
de células tronco, aborto, e direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transgêneros.
Há quem argumente que, apesar de um Estado laico, como garantido em nossa Constituição, o Brasil é um país de tradição cristã, e, portanto proibir crucifixos em locais públicos é ir contra esta tradição.
Sobre este assunto, Menezes que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
explica que, muitas vezes, a construção de uma sociedade mais justa e
democrática implica a mudança das tradições, pois essa é a dinâmica da
vida social.
Menezes exemplifica que há série de decisões políticas que tomamos
contra as tradições, visando uma sociedade mais democrática e
equitativa: é o caso do voto das mulheres e dos analfabetos, a permissão
do divórcio, a luta pelos direitos das mulheres, dos indígenas e das
minorias sexuais, etc.
“Isso é muito diferente, por exemplo, de proibir as pessoas de
portarem símbolos religiosos nesses espaços, o que, a meu ver, seria uma
interferência indevida do Estado nas opções pessoais. Afinal, não se
trata de tirar o Cristo Redentor do Corcovado, ou os crucifixos das ruas
de Ouro Preto, etc. Trata-se de criar um espaço público em que o
cidadão não-cristão possa se sentir contemplado”, destaca.
Menezes explica que, ao contrário do que pode pensar o senso comum, o Brasil não é um sugestivo caso de relação independente e harmoniosa entre religião e Estado.
“Na verdade, a hegemonia católica implicou séculos de violência
simbólica e física contra adeptos de outras religiões. Sabemos que a
repressão às religiões afro-brasileiras vem de longa data, e só começa a
atenuar na segunda metade do século XX, para voltar a recrudescer a
partir dos anos 1990 - com o crescimento de certos ramos evangélicos
pouco afeitos ao macro-ecumenismo e ao diálogo inter-religioso”, afirma.
Historicamente, a Igreja Católica teria sempre relacionado a
política com seu peso cultural na repressão aos cultos de possessão
afro-brasileiros, bem como na repressão ao espiritismo.
“Já atualmente, certos ramos do pentecostalismo encontram-se em
verdadeira batalha espiritual contra católicos, espíritas e
afrobrasileiros, tratando a mediunidade, a possessão e o culto aos
santos como ações demoníacas”, elucida a antropóloga.
Por outro lado, teria havido, historicamente, uma relação de
complementariedade entre Estado e Igrejas no campo da educação, saúde e
assistência social, demonstrando os limites da independência. Menezes
alerta que é preciso considerar essas relações a partir de dados
históricos e pesquisas empíricas, sob pena de reproduzirmos uma falsa
autoimagem de tolerância, numa espécie de representação ideal do
brasileiro como um povo essencialmente cordial.
Fonte: http://www.comciencia.br
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