31 de janeiro de 2012

Fórum Social Temático: memória da repressão política no meio rural durante a ditadura em debate


Fórum Social Temático: memória da repressão política no meio rural durante a ditadura em debate






Foto: Rafael Correa/ Agência Carta Maior

28/01/2012 02:56

Uma grande homenagem àqueles que lutaram bravamente, durante o regime militar, pela reforma agrária e por condições mais justas de trabalho para os camponeses traduziu o lançamento do livro “Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – camponeses torturados, mortos e desaparecidos”. O momento também foi de reflexão e debate sobre o direito à memória e à verdade no cenário atual, e de reivindicações pela anistia e reconhecimento da trajetória dos que sofreram nesse período.

O evento, que aconteceu nesta quinta-feira (27), nas dependências do Memorial do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, foi promovido como parte das atividades paralelas do Fórum Social Temático 2012, pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD/MDA), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH).

A publicação, fruto de trabalho que teve início no governo Lula, integra ações do governo federal como as investigações conduzidas na última década pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a publicação do relatório Direito à Memória e à Verdade. As autoras Marta Cioccari e Ana Carneiro, além de realizarem pesquisas em diversos acervos documentais, percorreram o Brasil em busca das famílias e das história de camponeses torturados, mortos e desaparecidos. São Paulo, Pernambuco, Ceará, Distrito Federal e Goiás foram os estados visitados. Foram feitas entrevistas com líderes sindicais, assessores de entidades, advogados e familiares.

“As histórias contidas no livro refletem apenas uma mostra do que ocorreu no campo naquela época obscura da história do nosso país. É escandaloso que isso ainda seja enfrentado em muitos lugares, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, e por isso precisamos lutar pela abertura cada vez maior de arquivos, para que essa realidade venha à tona e se consiga realizar mudanças efetivas”, destacou Marta Cioccari, jornalista e antropóloga do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ).

Reverência
O evento relembrou os camponeses torturados, mortos e desaparecidos por meio da presença e dos depoimentos de Francisco Blaudes Sousa Barros e João Altair dos Santos. Blaudes vivenciou o massacre de Japuara, conflito ocorrido em 1971 na fazenda de mesmo nome, na região do sertão cearense de Canindé, em que moradores da região se organizaram para resistir e tiveram que lutar pela vida contra a invasão de policiais e jagunços fortemente armados. Filho de Pio Nogueira, líder dessa resistência, que foi preso e torturado na época, Blaudes se emocionou ao falar do pai e do massacre. “Fomos à luta, criamos o sindicato local e depois partimos para sindicatos em terras vizinhas, o que irritou os latifundiários. Após o massacre, fomos perseguidos e presos, meu pai e mãe sofreram muito”, narrou.

João Altair dos Santos representou seu pai, o líder camponês gaúcho João Machado dos Santos, o João Sem Terra. Ativista do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master) nos anos 1960, João Sem Terra foi perseguido, preso, torturado e exilado no próprio país, ficando desaparecido durante 25 anos. João Altair contou como foi a sensação de não saber se o pai estava vivo ou morto. “Eu tinha apenas quatro anos de idade quando meu pai teve que fugir. Por causa da repressão, era proibido de falar que era filho do João Sem Terra, mas eu não entendia bem o porquê. Quando cresci, comecei a pesquisar o assunto e tinha muita vontade de conhecer meu pai, de saber se estava vivo ou não, de encontrá-lo de alguma forma. Foi muito emocionante quando descobrimos que ele estava vivo e hoje posso falar com orgulho do trabalho que ele procurou fazer. Se nós sofremos, imagino que ele deve ter sofrido muito mais por ter que abandonar a família”, disse.

No evento foram lembrados também dois personagens do livro que partiram recentemente. Vicente Pompeu da Silva, ex-presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado do Ceará (Fetraece), que faleceu em 25 de março de 2011, e Euclides do Nascimento, fundador da Federação dos Trabalhadores rurais do Estado de Pernambuco (Fetape), falecido em 26 de dezembro de 2011.

Reconhecimento
Gilney Viana, coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade, apresentou dados preliminares referentes à busca pela anistia dos trabalhadores rurais que sofreram durante a ditadura, com base no livro Retrato da Repressão. Um exemplo são os pedidos de anistia. Dos 494 camponeses referidos na publicação, 91 requereram a anistia, ou seja, 18,4%. Destes, apenas 50 foram deferidos. “É um grupo ainda excluído socialmente, economicamente e historiograficamente. A grande maioria não conhece seus direitos”, lembrou.

O evento foi encerrado pela ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que destacou a importância do livro e a necessidade de ampla divulgação de sua pesquisa, em diferentes meios, como Internet, em vídeos, e também nas escolas, para que as lutas camponesas durante a ditadura sejam conhecidas e que o respeito aos direitos humanos seja consolidado. “Os camponeses, na luta pela terra, ainda não receberam a devida atenção do Estado. Ainda não houve a reparação devida pelas mortes, pelos desaparecimentos, e o reconhecimento disso é fundamental para a luta democrática no país”, enfatizou.

O lançamento também contou com a presença e participação do diretor do NEAD/MD, Joaquim Soriano; de Olívio Dutra, ex-prefeito de Porto Alegre, ex-governador do RS e ministro das Cidades no início do governo Lula; Luiz Antônio de Assis Brasil, secretário de Cultura do Rio Grande do Sul; José Francisco da Silva, ex-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); e Marco Antônio Rodrigues Barbosa, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

A parceria entre NEAD/MDA e SDH e continuidade do projeto sobre repressão política no campo no Brasil vão se dar por meio da produção de uma série de livretos que narram a trajetória de personagens que tiveram atuações marcantes na luta pela reforma agrária e sofreram com a repressão política na época da ditadura. Os primeiros três volumes, que estão sendo concluídos, abordam as histórias de João Sem Terra, do massacre de Japuara, e do líder camponês José Pureza.



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