O Estatuto da Igualdade Racial completa um ano de sua sanção. Nesse breve
tempo, podemos avaliar que não se tratava de documento cujo impacto promoveria de
imediato a redenção dos negros, como queriam alguns, tampouco era um papel sem
consequências como pensavam seus críticos.
Parte da frustração que acompanhou a sanção do Estatuto pode ser atribuída à
conclusão das negociações parlamentares, após 10 anos de tramitação no Congresso. As
pesquisas mostram (a última, do DataSenado, divulgada semana passada) que a maioria
da população brasileira aprova o instrumento das cotas, suprimido na versão negociada
do texto da lei.
Se as cotas produziam tensão entre os setores conservadores, criando obstáculos à
tramitação do projeto, sua retirada do texto não foi compensada por um amplo acordo
político em torno de uma agenda de implementação do Estatuto, que expressasse as
legítimas demandas da população negra, em benefício, frise-se, do fortalecimento da
democracia.
Logo que as modificações na lei do divórcio entraram em vigor, também em 2010,
casais procuraram os cartórios, buscando beneficiar-se dessas alterações. No dia seguinte
à sanção do Estatuto da Igualdade Racial, nada rigorosamente aconteceu. Isto significa
que as mudanças por ele introduzidas não causam impacto nas instituições, nem afetam a
vida de milhões de mulheres e homens brasileiros?
De modo algum. Significa que cumprir as obrigações desta lei exige, entre outras
medidas, investimento pesado e de longo prazo na mudança dos referenciais da ação
pública. Isto inclui a capacitação dos gestores, de modo a alterar padrões culturais
arraigados, superar práticas desumanizadoras, naturalizadas e internalizadas desde o
Brasil colônia. Não se revertem estigmas de longa duração por mera formalização de
direitos, sabemos todos.
De acordo com o artigo 56 do Estatuto, as políticas de ação afirmativa e outras
políticas públicas, que tenham como objetivo a igualdade de oportunidades e a inclusão
social da população negra, devem ser observadas nos Planos Plurianuais (PPAs) e
orçamentos da União.
Durante a elaboração do PPA 2012-2015, o primeiro sob a égide da Lei 12.288/10
que instituiu o Estatuto, a Seppir empenhou-se para que os objetivos e iniciativas de
governo incorporem tais desafios. Mais um importante passo para que as desigualdades
raciais sejam reconhecidas e abordadas na agenda governamental.
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Qualquer que seja o resultado final, avanços podem ser contabilizados. O diálogo
com gestores e técnicos dos ministérios que executam as políticas públicas apontou
caminhos. A criação de um ambiente institucional, livre de preconceitos, abriu novas
possibilidades para um tema ainda marginal à gestão pública.
Muitas vezes não atentamos para a riqueza e a irreversibilidade de processos
políticos, simplesmente porque seus resultados não são imediatamente palpáveis. A
elaboração do PPA 2012-2015 pôs em movimento, sem dissimular tensões, uma
percepção da realidade brasileira abrangente o suficiente para incluir o enfrentamento ao
racismo. Assim, a Seppir busca conferir nova feição aos planos de governo, projetando em
seu horizonte pessoas concretas, com suas referências históricas e culturais.
Considerando ainda o objetivo de implementação do Estatuto da Igualdade Racial,
instituímos através de portaria um grupo interministerial, o qual deverá, num prazo de
120 dias, propor outras ações necessárias à efetividade das políticas ali previstas.
Embora ainda distante das práticas administrativas cotidianas, o conteúdo do
Estatuto tem pautado nossos diálogos intragovernamentais e com setores expressivos da
sociedade desde o início do governo Dilma Rousseff. Ao lançar a campanha “Igualdade
racial é pra valer”, a Seppir quis evidenciar que a legislação anti-racista não é apenas um
pano de fundo correto e justificador de nossas melhores intenções. Os agentes públicos e
privados são convidados, este tem sido o mote de nossas conversas, para fazer valer, no
mundo real, o princípio da igualdade.
Luiza Bairros
Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da
República (Seppir/PR)
Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da
República (Seppir/PR)
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