08 de abril de 2011 • 10h05
Uma pequena porcentagem de estudantes muçulmanos frequentam madrassas na Índia, embora os estudiosos digam que essas escolas teológicas exercem ampla influência na sociedade muçulmana
Foto: The New York Times
Foto: The New York Times
De lados opostos de uma rua empoeirada, milhares de estudantes muçulmanos, nesta remota cidade agrícola, estão se preparando para futuros bem diferentes. De um lado, dentro de um tradicional seminário islâmico, garotos adolescentes usando solidéus estudam textos antigos para se tornarem imãs. Do outro lado, alunos se curvam diante de computadores em salas de aula de uma universidade, estudando para se tornarem médicos, farmacêuticos e engenheiros.
A distância entre eles é de cerca de 15 metros, mas poderia ser de cinco séculos. No meio, há um clérigo muçulmano barbado, o mulá Ghulam Mohammed Vastanvi, que passou a última década fazendo uma ponte entre a educação tradicional e a moderna para os muçulmanos. A partir de seus principais campi aqui em Akkalkuwa, ele construiu uma rede de escolas religiosas, hospitais e faculdades com mais de 150 mil alunos de todo o país, ganhando a reputação de reformista entre os clérigos muçulmanos da Índia.
Seu sucesso aqui levou a sua seleção, em janeiro, como vice-chanceler, ou reitor, do seminário islâmico mais prestigiado e influente da Índia, o Darul Uloom, na cidade de Deoband. Darul Uloom é conhecida por suas reprovações ortodoxas da modernidade e o mulá hoje tenta obter seu controle.
Normalmente, uma disputa interna entre clérigos muçulmanos pela escola islâmica, ou madrassa, atrairia atenção limitada na Índia. Porém, Vastanvi agitou um debate entre indianos muçulmanos sobre a necessidade de reforma na sociedade islâmica, ao mesmo tempo em que explorou a frustração daqueles ansiosos por líderes religiosos mais sintonizados com o mundo moderno.
"As pessoas estão cansadas das maneiras antigas", disse Shahid Siddiqui, editor do Nai Duniya, um jornal muçulmano de idioma urdu. "Elas querem desenvolvimento. Querem crescimento. Precisamos de pessoas como Vastanvi, que podem ser um símbolo da luta para trazer os muçulmanos ao mundo moderno".
Fundado em 1966, o Darul Uloom treinou milhares de imãs que, por sua vez, fundaram madrassas por todo o sul da Ásia e África como parte do Movimento Islâmico Deobandi. Esse grupo defende uma forma mais conservadora do Islã e algumas mesquitas deobandis no Paquistão e no Afeganistão se radicalizaram nas últimas décadas.
Muitos membros do Talibã se autodenominam deobandis, muito embora os líderes indianos do Darul Uloom os tenham condenado com veemência, rejeitando extremismos e organizando reuniões de professores islâmicos para denunciar o terrorismo. Durante o movimento de independência da Índia, os deobandis apoiaram Gandhi e mais tarde se negaram a se unir a um Paquistão dividido.
Hoje, o Darul Uloom é mais conhecido na Índia por emitir tantas fatwas (opiniões religiosas) provocativas que é muitas vezes ridicularizado na imprensa indiana como "fábrica de fatwa". Essas opiniões, geralmente ignoradas por grande parte dos muçulmanos indianos, incluem ordens para que mulheres não usem jeans, que homens e mulheres não trabalhem juntos em escritórios e contra a prática de cobrar juros em depósitos bancários.
Vastanvi já propôs revisar as fatwas quando se envolveu na controvérsia. Numa entrevista publicada na imprensa urdu, mais tarde repetida na mídia de língua inglesa, ele foi citado, afirmando que os indianos muçulmanos precisavam focar no progresso econômico e superar os conflitos populares em Gujarat, ocorridos em 2002, nos quais hindus atacaram áreas muçulmanas, deixando mais de mil mortos.
Segundo relatos na mídia, ele também perdoa o ministro-chefe de Gujarat, Narendra Modi, que há muito tempo vem sendo acusado de incitar a violência contra muçulmanos. No entanto, o mulá disse que seus comentários foram deturpados e que jamais isentou Modi.
"Minhas declarações foram apresentadas de maneira distorcida", disse Vastanvi. "Não digo para esquecerem o passado. Disse ao jornalista que, para mim, hoje os muçulmanos devem progredir em educação e negócios. Se ficamos fixados às coisas antigas, como podemos avançar?" O que se seguiu foi uma explosão na mídia, com rivais atacando Vastanvi na imprensa urdu, no que seus aliados consideraram uma campanha de difamação. O mulá respondeu oferecendo sua renúncia, mas então recebeu uma inesperada oferta de ajuda: vários comentaristas da mídia argumentaram a seu favor e colocaram a culpa do conflito numa disputa interna entre seus apoiadores e a poderosa família Madani, que há tempos domina Darul Uloom.
No final de fevereiro, o conselho administrador da escola indicou um comitê para investigar a controvérsia e colocou as operações rotineiras sob responsabilidade de um reitor substituto até que uma decisão final seja tomada. Enquanto isso, muitos jovens clérigos muçulmanos, incluindo alguns de Darul Uloom, desde então defendem Vastanvi como símbolo de reforma.
"A maioria dos alunos está feliz com a indicação", disse Mohammad Asif, 22, aluno do Darul Uloom. "Algumas pessoas poderosas não gostaram das ideias progressistas de Vastanvi. Elas se sentiram ameaçadas. Ele fala de boa educação, educação moderna. Ele está fazendo coisas boas para comunidade muçulmana".
A Índia tem pelo menos 161 milhões de muçulmanos, o terceiro maior número em comparação a qualquer outro país, mas continuam sendo uma minoria marginalizada num país dominado pelos hindus. Eles estão em desvantagem econômica e educacional.
A educação é considerada uma questão crítica, embora muitas vezes ignorada por muitos clérigos. O Darul Uloom oferece cursos de inglês e computação, mas o restante do currículo é tirado de antigos textos islâmicos. Apenas uma pequena porcentagem de estudantes muçulmanos frequentam madrassas na Índia, embora os estudiosos digam que essas escolas teológicas exercem ampla influência na sociedade muçulmana.
Yoginder Sikand, estudioso que já escreveu bastante sobre as madrassas indianas, disse que o Darul Uloom treina alunos numa visão de mundo antiga, usando comentários centenários para ensinar o Corão ou outros textos, em vez de análises mais contemporâneas que tentam aplicar o Islã às questões modernas. "O plano de estudos não reflete as demandas contemporâneas", disse. "Ele não traz aos estudantes o conhecimento do mundo de hoje".
Mas Vastanvi está longe de ser um liberal de olhos arregalados. Ele nasceu em Gujarat, estudou numa madrassa deobandi e chegou a Akkalkuwa há três décadas, onde estabeleceu uma pequena escola religiosa com seus alunos, usando o mesmo currículo da deobandi. Porém, à medida que a escola cresceu, frequentada por crianças de famílias pobres, o mulá afirmou ter percebido que os alunos também precisavam de uma forma de ganhar seu sustento. Ele começou a incluir treinamento para imãs em alfaiataria e outras atividades.
Contudo, seu passo mais importante foi quando ele iniciou um sistema paralelo para a chamada educação moderna, pedindo contribuições de líderes empresariais muçulmanos para construir institutos vocacionais e, mais tarde, faculdades certificadas de medicina, engenharia e farmácia. Muitas famílias muçulmanas têm dificuldades para pagar as principais universidades indianas, que geralmente exigem grandes pagamentos adiantados e taxas de instrução; em Akkalkuwa, não é necessário o pagamento adiantado.
"Se você quiser avançar no mundo, tem de ir aonde o mundo está indo", disse Vastanvi. "E a educação é crucial para isso". Para alguns muçulmanos seculares, a atenção às madrassas é inapropriada. Abusaleh Shariff, economista e coautor de um grande relatório do governo, lançado em 2006, sobre os muçulmanos na Índia, disse que recursos, atenção e energia devem estar focados em escolas públicas, onde a maioria dos alunos muçulmanos frequenta as aulas com hindus e outros grupos.
"Não queremos guetos na educação", argumentou. "Queremos uma educação secular". Mas em Akkalkuwa, Vastanvi parece estar tentando encontrar um equilíbrio entre o Islã e o ensino moderno. "Vastanvi nos diz que esta é a era da globalização e da competição", afirmou Mohammad Farooque, estudante de engenharia mecânica. "Quando estamos aqui, ele diz para darmos nosso melhor. E assim vamos avançar".
Veja as fotos
A distância entre eles é de cerca de 15 metros, mas poderia ser de cinco séculos. No meio, há um clérigo muçulmano barbado, o mulá Ghulam Mohammed Vastanvi, que passou a última década fazendo uma ponte entre a educação tradicional e a moderna para os muçulmanos. A partir de seus principais campi aqui em Akkalkuwa, ele construiu uma rede de escolas religiosas, hospitais e faculdades com mais de 150 mil alunos de todo o país, ganhando a reputação de reformista entre os clérigos muçulmanos da Índia.
Seu sucesso aqui levou a sua seleção, em janeiro, como vice-chanceler, ou reitor, do seminário islâmico mais prestigiado e influente da Índia, o Darul Uloom, na cidade de Deoband. Darul Uloom é conhecida por suas reprovações ortodoxas da modernidade e o mulá hoje tenta obter seu controle.
Normalmente, uma disputa interna entre clérigos muçulmanos pela escola islâmica, ou madrassa, atrairia atenção limitada na Índia. Porém, Vastanvi agitou um debate entre indianos muçulmanos sobre a necessidade de reforma na sociedade islâmica, ao mesmo tempo em que explorou a frustração daqueles ansiosos por líderes religiosos mais sintonizados com o mundo moderno.
"As pessoas estão cansadas das maneiras antigas", disse Shahid Siddiqui, editor do Nai Duniya, um jornal muçulmano de idioma urdu. "Elas querem desenvolvimento. Querem crescimento. Precisamos de pessoas como Vastanvi, que podem ser um símbolo da luta para trazer os muçulmanos ao mundo moderno".
Fundado em 1966, o Darul Uloom treinou milhares de imãs que, por sua vez, fundaram madrassas por todo o sul da Ásia e África como parte do Movimento Islâmico Deobandi. Esse grupo defende uma forma mais conservadora do Islã e algumas mesquitas deobandis no Paquistão e no Afeganistão se radicalizaram nas últimas décadas.
Muitos membros do Talibã se autodenominam deobandis, muito embora os líderes indianos do Darul Uloom os tenham condenado com veemência, rejeitando extremismos e organizando reuniões de professores islâmicos para denunciar o terrorismo. Durante o movimento de independência da Índia, os deobandis apoiaram Gandhi e mais tarde se negaram a se unir a um Paquistão dividido.
Hoje, o Darul Uloom é mais conhecido na Índia por emitir tantas fatwas (opiniões religiosas) provocativas que é muitas vezes ridicularizado na imprensa indiana como "fábrica de fatwa". Essas opiniões, geralmente ignoradas por grande parte dos muçulmanos indianos, incluem ordens para que mulheres não usem jeans, que homens e mulheres não trabalhem juntos em escritórios e contra a prática de cobrar juros em depósitos bancários.
Vastanvi já propôs revisar as fatwas quando se envolveu na controvérsia. Numa entrevista publicada na imprensa urdu, mais tarde repetida na mídia de língua inglesa, ele foi citado, afirmando que os indianos muçulmanos precisavam focar no progresso econômico e superar os conflitos populares em Gujarat, ocorridos em 2002, nos quais hindus atacaram áreas muçulmanas, deixando mais de mil mortos.
Segundo relatos na mídia, ele também perdoa o ministro-chefe de Gujarat, Narendra Modi, que há muito tempo vem sendo acusado de incitar a violência contra muçulmanos. No entanto, o mulá disse que seus comentários foram deturpados e que jamais isentou Modi.
"Minhas declarações foram apresentadas de maneira distorcida", disse Vastanvi. "Não digo para esquecerem o passado. Disse ao jornalista que, para mim, hoje os muçulmanos devem progredir em educação e negócios. Se ficamos fixados às coisas antigas, como podemos avançar?" O que se seguiu foi uma explosão na mídia, com rivais atacando Vastanvi na imprensa urdu, no que seus aliados consideraram uma campanha de difamação. O mulá respondeu oferecendo sua renúncia, mas então recebeu uma inesperada oferta de ajuda: vários comentaristas da mídia argumentaram a seu favor e colocaram a culpa do conflito numa disputa interna entre seus apoiadores e a poderosa família Madani, que há tempos domina Darul Uloom.
No final de fevereiro, o conselho administrador da escola indicou um comitê para investigar a controvérsia e colocou as operações rotineiras sob responsabilidade de um reitor substituto até que uma decisão final seja tomada. Enquanto isso, muitos jovens clérigos muçulmanos, incluindo alguns de Darul Uloom, desde então defendem Vastanvi como símbolo de reforma.
"A maioria dos alunos está feliz com a indicação", disse Mohammad Asif, 22, aluno do Darul Uloom. "Algumas pessoas poderosas não gostaram das ideias progressistas de Vastanvi. Elas se sentiram ameaçadas. Ele fala de boa educação, educação moderna. Ele está fazendo coisas boas para comunidade muçulmana".
A Índia tem pelo menos 161 milhões de muçulmanos, o terceiro maior número em comparação a qualquer outro país, mas continuam sendo uma minoria marginalizada num país dominado pelos hindus. Eles estão em desvantagem econômica e educacional.
A educação é considerada uma questão crítica, embora muitas vezes ignorada por muitos clérigos. O Darul Uloom oferece cursos de inglês e computação, mas o restante do currículo é tirado de antigos textos islâmicos. Apenas uma pequena porcentagem de estudantes muçulmanos frequentam madrassas na Índia, embora os estudiosos digam que essas escolas teológicas exercem ampla influência na sociedade muçulmana.
Yoginder Sikand, estudioso que já escreveu bastante sobre as madrassas indianas, disse que o Darul Uloom treina alunos numa visão de mundo antiga, usando comentários centenários para ensinar o Corão ou outros textos, em vez de análises mais contemporâneas que tentam aplicar o Islã às questões modernas. "O plano de estudos não reflete as demandas contemporâneas", disse. "Ele não traz aos estudantes o conhecimento do mundo de hoje".
Mas Vastanvi está longe de ser um liberal de olhos arregalados. Ele nasceu em Gujarat, estudou numa madrassa deobandi e chegou a Akkalkuwa há três décadas, onde estabeleceu uma pequena escola religiosa com seus alunos, usando o mesmo currículo da deobandi. Porém, à medida que a escola cresceu, frequentada por crianças de famílias pobres, o mulá afirmou ter percebido que os alunos também precisavam de uma forma de ganhar seu sustento. Ele começou a incluir treinamento para imãs em alfaiataria e outras atividades.
Contudo, seu passo mais importante foi quando ele iniciou um sistema paralelo para a chamada educação moderna, pedindo contribuições de líderes empresariais muçulmanos para construir institutos vocacionais e, mais tarde, faculdades certificadas de medicina, engenharia e farmácia. Muitas famílias muçulmanas têm dificuldades para pagar as principais universidades indianas, que geralmente exigem grandes pagamentos adiantados e taxas de instrução; em Akkalkuwa, não é necessário o pagamento adiantado.
"Se você quiser avançar no mundo, tem de ir aonde o mundo está indo", disse Vastanvi. "E a educação é crucial para isso". Para alguns muçulmanos seculares, a atenção às madrassas é inapropriada. Abusaleh Shariff, economista e coautor de um grande relatório do governo, lançado em 2006, sobre os muçulmanos na Índia, disse que recursos, atenção e energia devem estar focados em escolas públicas, onde a maioria dos alunos muçulmanos frequenta as aulas com hindus e outros grupos.
"Não queremos guetos na educação", argumentou. "Queremos uma educação secular". Mas em Akkalkuwa, Vastanvi parece estar tentando encontrar um equilíbrio entre o Islã e o ensino moderno. "Vastanvi nos diz que esta é a era da globalização e da competição", afirmou Mohammad Farooque, estudante de engenharia mecânica. "Quando estamos aqui, ele diz para darmos nosso melhor. E assim vamos avançar".
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