Não faltou polêmica no debate inaugural do seminário “Internet: Acesso Universal e Liberdade da Rede”, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, no sábado (26/2), em São Paulo. Com mediação de Altamiro Borges, presidente do Barão, a discussão teve ares de um julgamento em que à Web cabia o banco dos réus.
“A internet foi construída de maneira diferente das outras mídias de massa e tornou mais fácil a articulação de ações coletivas”, afirmou o professor Sérgio Amadeu, da UFABC. Citando as “revoltas árabes” e o fenômeno WikiLeaks, Amadeu opinou que, na Rede Mundial de Computadores, o “difícil não é obter um canal para falar — mas, sim, ser ouvido”.A essa “liberdade” — que, em tese, revelaria uma mídia altamente democrática —, contrapõe-se o domínio da infraestrutura da internet por grandes corporações. São interesses desse tipo que põem em xeque a neutralidade da rede. “Querem transformar a internet numa TV a cabo, com controle sobre as opções das pessoas. O controle técnico — que já existe — não pode se tornar controle civil, cultural, político”, protestou Sérgio Amadeu.
Já Marcos Dantas, da UFRJ, questionou o suposto poder da internet em transformar os valores e os comportamentos da sociedade. “Será que a internet muda a cultura dominante ou apenas a reforça? Que tipo de entretenimento ela está gerando?”, indagou. Para Dantas, as pessoas buscam na internet conteúdos parecidos com o que elas mesmas procuram em outras mídias, como as rádios.
“A comunidade originária da internet acreditava na neutralidade da rede e tinha certo poder, que, no entanto, não foi socialmente constituído — virou espaço político e social. Há uma massificação não para a forjar a democracia, mas para produzir comportamentos e identidades voltadas ao consumo”, diz Dantas. “O que derrubou Mubarak (o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak) não foram as redes sociais. Foi o povo na rua e os 236 mortos. O Facebook só ajudou a comunicar.”
A deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) centrou sua exposição nas possibilidades de tornar a internet mais próxima aos cidadãos. “Não precisamos lutar por contradições falsas. É preciso trazer o debate pata a conjuntura atual e lutar por uma regulamentação livre da rede”, analisou.
Na opinião da parlamentar, “à medida que cresce a democratização da rede, crescerá a repressão”, sob o argumento central da insegurança. “Hoje responsabilizam a internet por crimes como a pedofilia, que acontecem nas casas, nos clubes, nas igrejas. Pela lógica deles, teriam de instalar câmeras nas residências — e nem assim coibiriam os crimes”, sustenta Manuela. Segundo ela, “não podemos abrir mão das liberdades individuais — já consagradas na Constituição — pelo bem-estar coletivo”.
O jornalista Luis Nassif trouxe ao debate outra abordagem, ao ressaltar a força da internet — especialmente das redes sociais — como alternativa à grande imprensa. “Acabou o monopólio da informação pelo jornal, Todos os fatos relevantes tinham de passar pela velha mídia, que agora é batida de igual para igual com a rede”, comentou.
O poderio contra-hegemônico da rede impõe à blogosfera o desafio do apuro na checagem de dados. “A credibilidade da nova estrutura de informação é fundamental”, diz Nassif. De acordo com o jornalista, a internet já provocou, sim, transformações culturais. “Há uma nova mentalidade, uma renovação política, que vem da internet. Vejo ressurgir a militância, inclusive do PSDB.”
Realizado no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o seminário da Barão de Itararé contou com 80 participantes presentes e outros 400 que acompanharam a programação on-line. No final do evento, entidades da área de educação e movimentos sociais lançaram o manifesto “Banda Larga é um direito seu! Uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos.”
De São Paulo,
André Cintra
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