Gestão da ministra Ana de Hollanda sinaliza para postura conservadora
17/02/2011
Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)
Durante a campanha da presidente Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República, em 2010, um dos setores sociais que mais se mobilizaram por sua candidatura foi aquele ligado à produção cultural. A política implementada pelos ministros da Cultura durante o mandato do ex-presidente Lula, Juca Ferreira e Gilberto Gil, era vista como um dos braços mais progressistas do governo. Considerando o forte enraizamento social dos produtores de cultura que apoiavam o governo, sua organização, nas ruas, em apoio a Dilma, e o significativo acesso dos militantes da Cultura Digital às mais variadas formas de comunicação, não há como negar o papel imprescindível desse setor na eleição da candidata do PT. Quando a campanha de José Serra (PSDB) adotou uma tática difamatória pela internet, por exemplo, foram essas pessoas que, por militância, saíram em defesa da petista.
Eleita, Dilma demorou a escolher o responsável por assumir o MinC. Mais de 20 nomes foram cogitados, e o movimento cultural pressionava pela manutenção de Juca, ou de outro nome próximo à mesma política. A presidente surpreendeu quando anunciou a escolha de Ana Buarque de Hollanda para a pasta. Com experiência administrativa de pouca expressão, teria sido escolhida pela proximidade com o grupo político que orbita em torno do ator petista Antônio Grassi, além de ser mulher e carioca – até então, o Ministério tinha pouca presença do Rio de Janeiro. Grassi foi nomeado por Ana presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte), onde já havia atuado na gestão anterior, e de onde foi demitido por Gilberto Gil, em 2007. Movimentos como os de Software Livre, Cultura Digital e Pontos de Cultura estranharam a escolha de Ana, mas mantiveram o apoio tácito ao governo. Desde que assumiu, entretanto, a nova ministra tem sinalizado em direções que têm sido consideradas, por parte do movimento, mais conservadoras.
Primeiro, ela deu declarações de que a Reforma na Lei dos Direitos Autorais “foi discutida com a sociedade, mas não se chegou a consensos. Precisa ser novamente colocada em discussão”. O processo de discussão da reforma tomou, pelo menos, seis anos. Diversos seminários e congressos foram realizados com a participação de uma ampla gama de setores sociais. Juca deixou um projeto pronto ao novo governo. Ana de Hollanda já dera pistas de ter um posicionamento menos ousado no texto que, em 2008, ela escreveu no blog de Grassi. “Com o surgimento da internet, celulares, com seus provedores, softwares, empresas de telefonias e grandes grupos que englobam tudo acima, a criação é o elo mais fraco e fácil de se neutralizar com o irônico discurso de ‘democratização do acesso’”, postou.
Uma segunda sinalização considerada negativa pelo movimento de Cultura Digital foi a declaração de que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) não precisa de supervisão estatal. O Ecad é uma instituição privada criada por lei federal (5.988/73), o que para muitos significa uma aberração jurídica. Detém o monopólio da arrecadação e da distribuição dos direitos autorais. Pratica a cobrança rigorosa do dinheiro – inclusive em eventos como festas juninas ou infantis – e é pouco transparente na utilização desses recursos. Há setores que defendem sua extinção ou substituição. Os mais moderados apoiam apenas o óbvio, a supervisão estatal, que a ministra agora diz ser desnecessária.
No início deste mês, a ministra se reuniu com o advogado Hildebrando Pontes, vinculado ao Ecad. O encontro foi visto com muita preocupação pelos setores mais progressistas da discussão do direito autoral, ainda não recebidos pela ministra. De posições muito conservadoras, Hildebrando é cogitado para chefiar a secretaria de direito autoral. “Seria como nomear o Ronaldo Caiado [deputado federal da bancada ruralista] para o Ministério da Agricultura”, compara Pablo Ortellado, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPOPAI/USP). Hildebrando já declarou que, para ele, não deveria existir o domínio público – o direito autoral deveria durar para sempre. Ele fez a defesa do Ecad em centenas de processos em distintos tribunais, entre os quais o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Foi, entretanto, uma outra medida de Ana de Hollanda a que mais polêmica gerou entre os setores culturais. O MinC substituiu, repentinamente, a mensagem de rodapé em seu site. O Ministério retirou a referência ao Creative Commons, modelo de licenciamento alternativo escolhido na gestão Gil, substituindo-a pelo texto: “O conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte”. Sem grandes consequências práticas, a medida tem valor simbólico, com implicações políticas e eventualmente jurídicas. “Essa frase causa diversos problemas. A nossa lei de direitos autorais é uma das mais restritivas do mundo e diferencia a ‘reprodução’ da ‘publicação’. A frase trata apenas do direito de reprodução de modo que alguém que republique os conteúdos do site do MinC no seu próprio site não está coberto por ela e viola direitos autorais”, explica Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e do Creative Commons Brasil.
Importante considerar que o Ministério de Gil e Juca era famoso, na esplanada, pelos gastos além do orçamento. O programa de maior projeção social e política do período, o Cultura Viva, por exemplo, frequentemente gastava além do planejado. Em 2010, em parte devido à campanha eleitoral, que inviabiliza certos gastos, vários pontos de cultura (unidades de produção cultural vinculadas ao programa) ficaram sem pagamento. Ana visa corrigir essas distorções, profissionalizando a pasta. E o governo Dilma deu sinalizações aos ministérios de que em seu primeiro ano pretende conter gastos.
Ortellado considera que, nesse enfrentamento, uma das ameaças mais graves seria um possível revés na política externa brasileira. “O Brasil era, de longe, o mais progressista no que diz respeito a Direito Autoral. Passou a pautar mundialmente, através do Itamaraty, a discussão do Direito Autoral vinculada ao direito de acesso, e não ao direito do autor. Até a Secretaria de Estado dos EUA chegou a criar um seminário para discutir as questões colocadas pelo Brasil”, lamenta. Os militantes já criaram um “blog protesto” na internet e buscam se mobilizar, articulando-se inclusive com os Pontos de Cultura.
Fonte: Brasil de Fato
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