10 de outubro de 2010

[FENDH] Fui demitida pelo jornal o Estado de S. Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião (...)

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4722228-EI6578,00-Maria+Rita+Kehl+Fui+demitida+por+um+delito+de+opiniao.html

Quinta, 7 de outubro de 2010, 11h25 

Maria Rita Kehl: "Fui demitida por um 'delito' de opinião"

Bob Fernandes


A psicanalista Maria Rita Kehl foi demitida pelo Jornal O Estado de S. Paulo depois de ter escrito, no último sábado (2), artigo sobre a "desqualificação" dos votos dos pobres. O texto, intitulado "Dois pesos...", gerou grande repercussão na internet e mídias sociais nos últimos dias.
Nesta quinta-feira (7), ela falou a Terra Magazine sobre as consequências do seu artigo:
- Fui demitida pelo jornal o Estado de S. Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião (...) Como é que um jornal que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?
Veja trechos do artigo "Dois pesos".
 
Leia abaixo a entrevista.
Terra Magazine - Maria Rita, você escreveu um artigo no jornal O Estado de S.Paulo que levou a uma grande polêmica, em especial na internet, nas mídias sociais nos últimos dias. Em resumo, sobre a desqualificação dos votos dos pobres. Ao que se diz, o artigo teria provocado conseqüências para você...

Maria Rita Kehl -
E provocou, sim...
- Quais?
- Fui demitida pelo jornal O Estado de S.Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião.
 
- Quando?
- Fui comunicada ontem (quarta-feira, 6).
 
- E por qual motivo?
- O argumento é que eles estavam examinando o comportamento, as reações ao que escrevi e escrevia, e que, por causa da repercussão (na internet), a situação se tornou intolerável, insustentável, não me lembro bem que expressão usaram.
 
- Você chegou a argumentar algo?
- Eu disse que a repercussão mostrava, revelava que, se tinha quem não gostasse do que escrevo, tinha também quem goste. Se tem leitores que são desfavoráveis, tem leitores que são a favor, o que é bom, saudável...
 
- Que sentimento fica para você?
- É tudo tão absurdo... A imprensa que reclama, que alega ter o governo intenções de censura, de autoritarismo...
 
- Você concorda com essa tese?
- Não, acho que o presidente Lula e seus ministros cometem um erro estratégico quando criticam, quando se queixam da imprensa, da mídia, um erro porque isso, nesse ambiente eleitoral pode soar autoritário, mas eu não conheço nenhuma medida, nenhuma ação concreta, nunca ouvi falar de nenhuma ação concreta para cercear a imprensa. Não me refiro a debates, frases soltas, falo em ação concreta, concretizada. Não conheço nenhuma, e, por outro lado...
 
- ...Por outro lado...?
- Por outro lado a imprensa que tem seus interesses econômicos, partidários, demite alguém, demite a mim, pelo que considera um "delito" de opinião. Acho absurdo, não concordo, que o dono do Maranhão (senador José Sarney) consiga impor a medida que impôs ao jornal O Estado de S.Paulo, mas como pode esse mesmo jornal demitir alguém apenas porque expôs uma opinião? Como é que um jornal que está, que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?
 
 
- Você imagina que isso tenha algo a ver com as eleições?
- Acho que sim. Isso se agravou com a eleição, pois, pelo que eles me alegaram agora, já havia descontentamento com minhas análises, minhas opiniões políticas.

Quinta, 7 de outubro de 2010, 11h43 Atualizada às 12h31

Trechos de artigo da psicanalista Maria Rita Kehl

O texto "Dois pesos...", da psicanalista Maria Rita Kehl, publicado no Estado de S. Paulo no último sábado (2), um dia antes das eleições, elogia a tomada de posição eleitoral do jornal - de apoio ao candidato José Serra, do PSDB - e critica as correntes de mensagens na internet que tentam desqualificar o voto dos mais pobres, beneficiados pelas políticas sociais do governo nos últimos anos.
Maria Rita Kehl ressalta o salto de qualidade de vida que as classes D e E tiveram nos últimos anos. "Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente", conclui a autora, depois de afirmar:
 
 
"Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos.
 
 O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola".
 
 
A psicanalista comenta mensagens que recebeu em sua caixa-postal relatando situações em que trabalhadores de renda baixa estariam supostamente recusando ofertas de trabalho no Ceará e no Piauí para continuar recebendo os benefícios do governo.
 
"Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria?", pergunta ela. "Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo".
 
 
Maria Rita Kehl afirma que o Brasil mudou para melhor, "ao contrário do que pensam os indignados da internet". E prossegue: "Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200?"
 
O artigo critica ainda os "cidadãos de classe A" que desqualificam a seriedade do voto de quem está saído da miséria: "Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale.
 
Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos", conclui a autora.

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