4 de setembro de 2010

Confinados, no Irã, defensores bahá'ís

Por Roxan Saberi,
Sábado, 28 de agosto de 2010
Fonte: The Washington Post


Por várias semanas no ano passado eu dividi uma cela na conhecida
prisão de Evin, em Teerã, com Mahvash Sabet e Fariba Kamalabadi, duas
das lideranças da minoria religiosa Bahá'í. Passei a vê-las como
minhas irmãs, mulheres cujo único crime foi praticar pacificamente sua
religião e resistir à pressão imposta pelos seus captores a transigir
seus princípios. Por isso, aparentemente, elas e cinco colegas homens
foram sentenciados este mês a 20 anos de prisão.

Eu havia ouvido sobre Mahvash e Fariba antes de conhecê-las. Outras
prisioneiras falaram das duas mães de meia idade cujos espíritos
elevados havia elevado o ânimo das companheiras de prisão.

A Fé Bahá'í, tida como a maior minoria religiosa não muçulmana do Irã,
nasceu no século 19 na Pérsia. Baseia-se na crença de que um dia o
mundo alcançará paz e unidade. As autoridades iranianas a consideram
uma ramificação herética do Islã.

Depois de ser transferida à cela delas, soube que Mahvash havia sido
encarcerada havia um ano e Fariba oito meses. Cada uma havia passado a
metade de sua prisão em confinamento solitário, durante o qual não
lhes foi permitido quase nenhum contato com suas famílias, tinham
somente o Alcorão para ler. Recentemente, foi permitido às duas terem
uma caneta. Ah, como elas apreciaram isso! Porém só lhes foi permitido
usá-la para fazer Sudoku e palavras cruzadas nos jornais conservadores
que os guardas da prisão ocasionalmente lhes davam.

Mahvash, Fariba e seus cinco colegas sofreram acusações que incluíam
espionagem para Israel, insulto a santidades religiosas e
posteriormente "espalhar corrupção sobre a terra", todos os quais
poderiam resultar em pena de morte.

Os bahá'ís negaram essas acusações. Longe de representarem uma ameaça
ao regime islâmico, Mahvash e Fariba me disseram que os cerca de 300
mil bahá'ís do Irã são contra a violência e politicamente imparciais.

Apesar da gravidade das acusações contra elas, Mahvash e Fariba nem
por uma vez haviam sido permitidas a verem seus advogados. No entanto,
o estado de ânimo das minhas companheiras de cela não se abatia, e
elas encorajavam o meu. Elas me ensinaram, como elas diziam, a
transformar desafios em oportunidades – a tirar o melhor proveito das
situações difíceis e a crescer com a adversidade. Mantínhamos uma
rotina diária, lendo os livros que eventualmente nos permitiam e
discutindo-os; fazendo exercícios em nossa pequena cela; e rezando –
elas a seu modo e eu ao meu. Elas me pediram para lhes ensinar inglês
e estavam ansiosas de aprender vocabulário sobre compras, cozinha e
viagem. Elas me disseram que algum dia usariam as novas palavras,
quando viajassem ao exterior. Mas as duas mulheres disseram também que
jamais gostariam de viver além mar. Achavam seu dever servir não
somente aos bahá'ís, mas a todos os iranianos.

Posteriormente, quando eu fiz uma greve de fome, Mahvash e Fariba
lavavam minhas roupas com a mão depois que perdi minhas energias e me
contavam histórias para distrair minha mente do estômago. Foi a
bondade e o amor delas que me sustentou.

Foi muito triste deixá-las quando fui libertada em 29 de maio de 2009.
Posteriormente soube que Mahvash, Fariba e seus colegas recusaram-se a
fazer falsas confissões, conforme muitos prisioneiros políticos são
forçados a fazer no Irã.

Foi em janeiro que o julgamento dos bahá'ís começou. Este mês, o mesmo
juiz iraniano que me sentenciou a oito anos de prisão sob falsas
acusações de espionar para os Estados Unidos, sentenciou os bahá'ís a
20 anos. As acusações com as quais eles foram condenados ainda não
foram relatadas.

Defensores de direitos humanos disseram que o julgamento foi repleto
de irregularidades. Finalmente se permitiu aos réus verem seus
advogados, mas muito brevemente. Aos advogados só foram dadas poucas
horas para examinar as milhares da páginas do processo da promotoria.
No início do julgamento, equipes de TV estatais estiveram presentes
naquilo que supostamente seriam audiências fechadas. Depois que os
advogados contestaram, os membros das famílias foram permitidos a
participar das audiências, mas diplomatas estrangeiros foram
impedidos, e os únicos jornalistas permitidos foram os da mídia
estatal. Parece que nenhuma evidência foi apresentada contra os réus.

Enquanto seus advogadoes recorrem, Mahvash e Fariba aguardam na prisão
de Rajai Shahr, fora de Teerã. Até mesmo a prisão de Evin, me disseram
as companheiras de cela no ano passado, é preferível à de Rajai Shahr.
O lugaar é conhecido pela tortura, falta de higiene e cuidados médicos
inadequados para os prisioneiros, os quais incluem assassinos,
dependentes químicos e ladrões.

Embora as autoridades iranianas neguem que o regime discrimina
cidadãos por sua crença religiosa, a Fé Bahá'í não é reconhecida pela
constituição do Irã. A conhecida perseguição aos bahá'ís inclui
demissão de seus empregos e impedimento de acesso a educação superior,
bem como profanação de seus cemitérios. Os bahá'ís criaram sua própria
universidade extraoficial, que Mahvash dirigia; nela Fariba graduou-se
em psicologia. Além das sete lideranças, 44 outros bahá'ís se
encontram nas prisões do Irã, informa a Comunidade Internacional
bahá'í.

Pessoas de muitas nações e credos têm pedido a libertação das
lideranças bahá'ís. Mas muitas mais terão que soltar suas vozes – tais
como o preenchimento de cartas de apoio através de sies na Internet,
como a United4Iran.com. Protestos contra essas cruéis sentenças podem
deixar claro às autoridades do Irã e de outros lugares de que elas
serão levadas em conta quando eles passarem por cima dos direitos
humanos. Mahvash e Fariba ocasionalmente ouvem notícias deste apoio, e
isso lhes dá força para seguirem adiante, assim como o protesto
internacional contra meu aprisionamento me deu força.

Eu sei que a despeito do que elas passaram e o que ainda vem pela
frente, essas mulheres não têm qualquer sentimento de ódio em seus
corações. Quando eu me esforçava em não ter aversão aos meus
interrogadores e ao juiz, Mahvash e Fariba me disseram que não odeiam
ninguém, nem mesmo seus captores.

Nós acreditamos em amor e compaixão pela humanidade, disseram, mesmo
por aqueles que nos injuriam.

Roxana Saberi, jornalista detida no Irã no ano passado, é a autora de
"Between Two Worlds: My Life and Captivity in Iran" - "Entre Dois
Mundos: Minha Vida e Cativeiro no Irã".

Leia o original (em inglês):
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/08/27/AR2010082704485.html

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