24 de agosto de 2009

[FENDH] Concordata com Vaticano viola direitos democráticos assegurados pela Constituição





Seg, 24 de Agosto de 2009 10:14
  • Por Josemar Dantas

A dissolução dos liames que uniam a Igreja ao Estado assinala um dos principais impulsos das nações ocidentais rumo aos regimes de franquias democráticas. No Brasil, o fenômeno ainda é mais visível. Deu-se logo após a proclamação da República com o decreto 119-A, de 7 de janeiro 1890, redigido por Ruy Barbosa. O diploma legal foi recepcionado pela Constituição de 1891, que passou a regular a nova ordem estabelecida no país. A adoção da forma republicana de governo, fundada na soberania do povo como agente da edificação do poder político, marca a instalação da democracia no Brasil.

O novo regime nasceria com vício intolerável se convalidasse qualquer disciplina da ordem anterior incompatível com o princípio básico da República: o igualitarismo. A legalidade republicana não poderia se afirmar sem administrar o poder como coisa pública (res publica). Se os direitos, deveres e bens sociais devem equalizar-se em função dos interesses do povo, a igualdade seria apenas alegoria inócua se a fé católica permanecesse, como no Império, na condição de religião oficial do Estado. Uma vez declarada laica, a instituição estatal pôde garantir o pluralismo religioso, universalização de direitos que identifica as democracias.

A noção de República como instituição democrática concebida pela inteligência política não mudou em nenhuma parte do mundo, excluídas as formas degeneradas que mascaram tiranias em alguns países. Vê-se, portanto, que a vinculação do Estado a interesses confessionais, quaisquer que sejam os cultos, viola as garantias asseguradas nos regimes democráticos.

É sobre semelhante pano de fundo que se projeta a concordata celebrada pelo Brasil com o Vaticano em 13 de novembro de 2008 (já ratificada na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados). Tratados da espécie, conforme lição do Direito Público Internacional, são pactos bilaterais assinados entre a Santa Sé e um Estado-parte sobre problemas de interesse religioso da Igreja Católica. A peça concordatária firmada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o papa Bento XVI envolve a concessão pelo Brasil de privilégios tributários à Igreja Católica e o ensino religioso nas escolas públicas.

Os termos convencionados com o sumo pontífice desbordam das cláusulas sobre as quais se erguem os regimes democráticos. Ferem a regra sagrada do pluralismo, por inserir vantagens para um credo em particular em detrimento dos demais. Ofendem ao caráter laico do Estado, garantia de que todas as formas de expressão espiritual podem ser exercitadas sem a tutela dos poderes estatais. Atentam contra o igualitarismo republicano. E, por fim, violam o artigo 19 da Constituição.

Veja-se o que diz o mencionado artigo 19: "É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (I) estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (…). É, pois, dever do Congresso, em respeito à democracia, à República e à Constituição rejeitar a concordata com a Santa Sé.


JOSEMAR DANTAS É EDITOR DO SUPLEMENTO DIREITO & JUSTIÇA

artigo publicado no suplemento Direitos & Justiça, do jornal Correio Braziliense em 24/8/2009



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