22 de fevereiro de 2009

Educação em Direitos Humanos: para uma cultura da paz

Human Rigths Education: for a peace culture



CLOVIS GORCZEVSKI*

GIONARA TAUCHEN**



RESUMO – O presente artigo analisa e caracteriza, num primeiro instante, os conceitos de cidadania e

Direitos Humanos para, num segundo momento, problematizar e refletir sobre os caminhos da educação em

Direitos Humanos e para a paz. Sugere a educação em Direitos Humanos como educação complementar

formal.



Descritores – Cidadania; Direitos Humanos; educação.



ABSTRACT – This article analyzes and characterizes, at first, the concepts of citizenship and Human Rights

to, then, wrangle and reviews the paths to education in the Human Rights and to the peace. It suggests a

Human Rights education as a supporting for the formal one.

Key words – Citizenship; Human Rights; education.





* Pós-Doutor em Filosofia do Direito, Universidade de Sevilla, Espanha. Professor na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

** Doutoranda em Educação – PUCRS. Professora na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS. E-mail: .



Artigo recebido em: junho/2006. Aprovado em: fevereiro/2007.



“Ninguém pode ser cidadão do mundo quando é cidadão de seu país.”



HANNAH ARENDT



Nos últimos anos, no Brasil, tornou-se politicamente

correto, moderno e lugar-comum, falar-se em educação

para a cidadania e direitos humanos. Mas de uma maneira

geral produziu-se pouco em termos de pedagogia e

didática para tal finalidade e menos ainda se trabalhou

para esta educação. Em grande parte do material teórico

produzido, alguns inclusive com apoio de órgãos

oficiais, verifica-se uma grande carga ideológica, um

vazio de amor e humanidade, além de uma grande

confusão quanto ao objeto: cidadania e direitos humanos.



Estes termos são utilizados como sinônimos e, embora

Warat (2001, p. 4) diga que “ciudadania y derechos

humanos son expresiones que vienen cruzando tanto sus

sentidos que terminan por unificarse bastante, son términos

cada día más sinónimos. En el futuro significarán

lo mismo”, as diferenças, ainda são salientes.



Nosso objetivo neste trabalho é, inicialmente, caracterizar

o que seja cidadania e direitos humanos para, num

segundo momento, refletir sobre a educação voltada ao desenvolvimento

de atitudes pautadas em direitos humanos.



O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS?



‘Direitos Humanos’ é uma forma abreviada e genérica

de se referir a um conjunto de exigências e

enunciados jurídicos que são superiores aos demais

direitos. Superiores porque anteriores ao Estado, porque

não são meras concessões da sociedade política, mas

nascem com o homem, fazem parte da própria natureza

humana e da dignidade que lhe é inerente, e são fundamentais,

porque sem eles o homem não é capaz de

existir, de se desenvolver e participar plenamente da

vida, e são universais, porque exigíveis de qualquer

autoridade política, em qualquer lugar. Eles representam

as condições mínimas necessárias para uma vida digna.

Conforme Bidart (1972, p. 153), “son derechos básicos,

sin los cuales no sería factible una sociedad adecuada

para el hombre que deben reconocerse a todo

hombre por pertenecer a (o derivan de) su modo de ser

propio”.



Estes direitos possuem algumas características que

se identificam com sua natureza, pois fazem parte da

própria essência e os diferem de outros direitos. Para

Callo (1977, p. 11-12), são as seguintes: a) são inatos ou

congênitos, porque se nasce com eles, como atributo

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inerente a todo ser humano. Diferente de outros direitos

que se vão adquirindo durante toda a vida;



b) são universais,pois se estendem a todo gênero humano, em todo tempo e lugar;



c) são absolutos, porque seu respeito se pode exigir de qualquer pessoa, autoridade ou comunidade inteira, diferente dos direitos relativos, como

os emanados das relações contratuais, que somente podem ser exigidos de quem contratou a obrigação correspondente;



d) são necessários, sua existência não deriva de um fato contingente (ou seja, que pode ser ou não), mas constitui uma necessidade ontológica derivada da própria natureza da pessoa humana;



e) são inalienáveis, pois pertencem à essência do ser humano de forma indissociável, assim não se pode renunciar, transferir ou transmitir-se, sob nenhum título, como ocorre com os demais direitos que são objetos de transações jurídicas;



f) são invioláveis, nenhuma pessoa ou autoridade pode atentar legitimamente contra eles (sem prejuízo das justas limitações que podem se impor a seu exercício, de acordo com as exigências do bem comum

da sociedade);



g) são imprescritíveis, não caducam nem se perdem com o decurso do tempo, ainda que um grupo ou uma pessoa determinada se veja materialmente impedida de exercê-los devido a insuperáveis circunstâncias

de fato.



Não obstante serem os Direitos Humanos inerentes

à própria natureza humana seu reconhecimento e proteção

é o resultado de um longo processo histórico, que

ocorreu de forma lenta e gradual, passando por várias

fases e, eventualmente, com alguns retrocessos. Processo

este ainda em desenvolvimento e sem homogeneidade,

pois não podemos nos esquecer que em muitos lugares

se vive ainda hoje situações semelhantes as primeiras

fases da evolução.



Primeiro, a partir do séc. XVIII, afirmaram-se

os direitos denominados civis e políticos, que estão

baseados no princípio da liberdade, e limitam o poder

do Estado, referem-se ao direito à vida, à liberdade

religiosa, política e de opinião, a proibição de tortura e

tratamento cruéis, a proibição da escravidão, etc. Mais

tarde, a partir da segunda metade do séc. XIX, foram

conquistados os direitos sociais, que estão baseados no

princípio da igualdade, e impõem ao Estado o dever de

agir, referem-se ao direito à educação, à saúde, à

seguridade social, à condições justas de trabalho, etc.



Finalmente, após a segunda guerra mundial, baseados no

princípio da fraternidade, surgem os direitos de grupos

ou categorias, cuja característica é a indefinição do

sujeito, – são coletivos e difusos – referem-se ao direito

ao desenvolvimento sustentável, à autodeterminação dos

povos, direito ao meio ambiente saudável, direito à paz,

etc.; e já é quase unânime entre os autores modernos a

existência de uma quarta fase e para alguns já há uma

quinta. Estas fases de avanço do direito são comumente

denominadas ‘gerações’.



E novos direitos surgirão. Sendo os direitos do

homem um produto histórico, o surgimento de novas

gerações de direitos fatalmente ocorrerá. Este é um

processo sem fim porque, segundo Bobbio (1992, p. 6):

Ainda que fossem necessários os direitos não nascem

todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem

nascer. Nascem quando o aumento do poder do

homem – que acompanha inevitavelmente o progresso

técnico, isto é o progresso da capacidade do

homem de dominar a natureza e os outros homens –

ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou

permite novos remédios para as suas indigências:

ameaças que são enfrentadas através de demandas de

limitações do poder.



O problema é que modernamente estamos assistindo

a uma inflação de Direitos Humanos de duvidosa

justificação – e inflação tem como conseqüência a

desvalorização. É de vital importância ter-se consciência

de que a multiplicação desenfreada de ‘direitos

humanos’ vulgariza e desmoraliza a idéia. Como bem

lembra Fernández-Largo (2001, p. 83) esta é uma razão

a mais para um profundo estudo do tema e a busca

acadêmica de um conceito rigoroso e de universal

aceitação que, estando aberto a um saudável progresso,

permita discernir o joio do trigo neste tema.



O QUE ENTENDEMOS POR CIDADANIA?



De uma maneira geral, se define cidadania como a

qualidade ou o direito do cidadão; e cidadão como o

indivíduo no gozo de direitos civis e políticos de um

Estado. A idéia de cidadania está sempre ligada a um

determinado Estado, e em geral expressa um conjunto

de direitos que dá ao indivíduo a possibilidade de participar

ativamente da vida e do governo de seu Estado.



Assim também é o entendimento de Silva (1992, p.305),

“cidadania qualifica os participantes da vida do Estado,

é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal,

atributo político decorrente do direito de participar no

governo e direito de ser ouvido pela representação

política”.



Como se verifica, cidadania está muito próxima do

nacionalismo, até porque a forma de se adquirir cidadania

é pela nacionalidade, que é um conceito jurídico,

enquanto aquele seria um conceito político.



Conforme lembra Peirano (1986), os próprios cientistas

políticos encontram dificuldades para definir

cidadania; mesmo reconhecendo o fenômeno como

resultado de um processo histórico, há uma tendência à

simplificação, que discorre sobre os direitos do cidadão.

Para Dimenstein (2002, p. 22):



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Cidadania é o direito a ter uma idéia e poder expressá-

la. É poder votar em quem quiser sem constrangimento.

É processar um médico que age com

negligência. É devolver um produto estragado e

receber o dinheiro de volta. É o direito de ser negro,

índio, homossexual, mulher sem ser discriminado.

De praticar uma religião sem ser perseguido.



Não há como conceituar cidadania sem se considerar

o contexto social a que se está referindo e, com isso a

mesma adquire características próprias que se diferenciam

conforme o tempo, o lugar e as condições socioeconômicas.

Para Warat (2001), falar em cidadania, em

qualquer época, significa fazer referência aos que tem

opinião, pois ser cidadão é ter voz, poder opinar e decidir

– o que exclui a maioria (os pobres) e grupos de minorias

(étnicas-culturais-nacionais). Para ele, “la ciudadania en

todos los tiempos siempre fue una clase VIP”.



Como conseqüência das diferentes concepções políticas

há uma falta de claridade sobre o significado de

cidadania. Para Dulce (2000, p. 37), isso ocorre porque

o conceito de cidadania não corresponde a uma categoria

natural, se trata de uma construção metafórica que

surge como conseqüência de processos históricos de

negociação, mediante a qual se estabelece um duplo

vínculo de caráter abstrato entre os ‘cidadãos’ e sua

organização jurídico-política: de um lado o Estado

protege seus cidadãos, de outro, os cidadãos participam

da criação e da direção da atividade jurídica e política do

Estado.



Na verdade, a cidadania é tão antiga quanto às

comunidades humanas sedentárias e define quem é e

quem não é membro de uma determinada comunidade.



As sociedades grega e romana, ainda que escravagistas,

promoveram em suas cidades um certo exercício de

cidadania. No período que vai da queda do Império

Romano ao século XII, predomina a sociedade feudal,

eminentemente rural; não há, pois, qualquer manifestação

de cidadania uma vez que esta condição está

relacionada com a vida na cidade e na capacidade dos

indivíduos exercerem direitos e deveres em sua comunidade.



Quando a Europa inicia os tempos modernos, a

partir do séc. XVII, a divisão de classes permanecia e

com ela a divisão de direitos. Neste sentido, lembra

Dallari (1999, p. 13) que a própria Constituição francesa

de 1791, feita pouco depois da Declaração de Direitos

de 1789, contrariando a afirmação de igualdade de todos,

estabeleceu que somente os cidadãos ativos poderiam

votar e serem eleitos para a Assembléia Nacional. E para

ser cidadão ativo era necessário, além de ser francês,

ser do sexo masculino, proprietário de bens imóveis e

ter uma renda mínima elevada. As mulheres, os trabalhadores

e os pobres foram excluídos da cidadania.



Os teóricos liberais, do séc. XVIII, fundamentaram

a cidadania na igualdade e no exercício da liberdade.

Para eles, cidadão é o indivíduo que tem liberdade e,

possuindo-a, todos são iguais. Os teóricos socialistas,

influenciados principalmente por Marx, priorizam os

direitos econômicos e sociais. O conceito de cidadania

está ligado ao acesso à saúde, educação, trabalho, etc.



Existem também os pensadores comunitaristas. As

características básicas desta corrente são duas: a primeira

é o princípio aristotélico da prioridade do todo sobre as

partes, traduzindo: da sociedade sobre o cidadão e a

segunda, se refere a suas crenças, a presunção de que as

comunidades humanas são diferentes e estão submetidas

a culturas específicas e, portanto a critérios morais

particulares e distintos (RUIZ MIGUEL, 1999). Há,

ainda, uma concepção republicana de cidadania. Cidadão

é o indivíduo que participa ativamente na configuração

do futuro de sua sociedade, através do debate e

da participação e na tomada de decisões políticas. Na

concepção republicana, toda idéia de cidadania está

centrada na participação política do indivíduo. Cidadão

é aquele que tem uma inserção na comunidade política,

não há referências aos demais princípios e garantias

fundamentais.



Como se observa, há uma grande dificuldade em

definir-se ‘cidadania’, pela ambigüidade e ideologia que

o termo encerra. Em resumo, a origem da Cidadania está

nos Direitos Humanos, mas é mais restrita. O Cardeal

D. Paulo de Evaristo Arns (1988, p. 7) apresenta uma

clara distinção entre Direitos Humanos de direitos de

cidadania (que chama de direitos concretos). Para ele, os

direitos de cidadania são de competência do Estado e

tenta igualar fracos e fortes, garantindo-lhes salário

digno, moradia, assistência médica etc.



Já os Direitos Humanos (apud ARNS, 1988, p. 7):



Estão numa área livre da intervenção estatal e

referem-se essencialmente aos bens inerentes à vida,

aos bens que preservam a humanidade do homem.

Entre eles o respeito à personalidade e à igualdade

essencial dos indivíduos, a manutenção da liberdade

física e de pensamento, a garantia de justiça e o

reconhecimento da honestidade.



Szabo (1978) faz a seguinte diferenciação: o cidadão

é um ser subordinado ao poder do Estado. Destarte, os

direitos do homem são direitos naturais, inalienáveis;

contrariamente, os direitos do cidadão são direitos positivos,

direitos outorgados pelo direito positivo. Os

direitos do homem são os direitos fundamentais, justamente

porque eles existem antes do Estado, enquanto que

os direitos do cidadão lhe são subordinados e dependem

dos primeiros.



Então, ao contrário dos Direitos Humanos – que são

supranacionais, que nascem com o homem, pois que

fazem parte da própria natureza humana – os direitos de

cidadania são concedidos (ou conquistados) da sociedade

política e estão vinculados a um Estado. Assim, o

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respeito à liberdade de associação, o direito de votar e

ser eleito, de igualdade ante a lei, e outros tantos de

caráter cívico e político, são garantidos e exercidos nos

limites de um determinado Estado. E não podemos

esquecer que “en el mundo moderno la nacionalidad y la

ciudadanía han llegado a estar tan unidas que una parece

identificarse con la otra” (ARAUJO, 1999, p. 139). E

como ensina Warat (2003, p. 11), a modernidade nos

atribui uma concepção de cidadania que induz a

uniformidade, fortalecida pelo nacionalismo e que nos

conduz ao desrespeito aos direitos humanos pois o que

nos faz ver as diferenças como elemento estranho, que

deve alijar-se, ou melhor, subjugar-se, para o bom

desenvolvimento social. Para ele, o nacionalismo foi a

forma que o Estado moderno encontrou de artificialmente

nos coletivizar. A cidadania passa a ser um

lugar comum. Somos cidadãos porque pertencemos ao

mesmo Estado e temos os mesmos objetivos comuns, em

geral em oposição a outros. Para ilustrar esta afirmação,

recorda um fato pouco conhecido. Em 1970, durante a

copa mundial de futebol (período de regime militar

autoritário), durante os jogos da seleção brasileira, nas

prisões, torturados e torturadores suspendiam suas

‘atividades’ para juntos torcer pela sua seleção. Durante

uma hora e meia eram amigos, porque pertenciam

misticamente à mesma cidadania.



Isto significa que cidadania pode inclusive, estar em

oposição aos Direitos Humanos, porque “el nacionalismo

sigue una lógica distinta. Se trata de una lógica

tendenciosamente incluyente que, por lo mismo, resulta

excesivamente excluyente (pureza étnica, derechos

históricos, lengua propia, etc.)” (CARRACEDO, 2000,

p. 11).



E, não obstante inúmeras teses políticas e sociológicas

tenham determinado seu desaparecimento, recentes

fatos internacionais comprovam: o nacionalismo

não está morto. É a idéia de uma ordem nacional que tem

afetado, nas últimas décadas, a constituição de uma

ordem internacional. Para Calera (2000, p. 83- 84):



O nacionalismo tem demonstrado ser a visão mais

duradoura dos tempos modernos. Depois da segunda

guerra mundial muitos anunciaram sua morte, mais

tarde, com o fim do comunismo e do fascismo,

bradaram novamente seu fim. E como se vê, o

nacionalismo continua vivo e forte, determinando o

destino dos povos e nações. Está presente, como base,

na maioria dos conflitos bélicos, provam as duas

guerras mundiais, as guerras de descolonização ou

libertação, o conflito árabe-israelense e ainda

podemos acrescentar o caso dos Bascos, dos

Irlandeses, dos Curdos e tantos outros.



Assim, o exercício dos Direitos Humanos levado ao

extremo é pacifismo, a cidadania levada ao extremo é

conflito bélico.



Então, se os direitos de cidadania e Direitos Humanos

são distintos, haverá diferenças também na

educação dirigida. Educar para a cidadania é despertar

no indivíduo a consciência de seus direitos e deveres com

sua comunidade política, muito mais para saber exigir e

opor-se a ações totalitárias do Estado e seus órgãos e

deles participar politicamente. É a exaltação dos feitos e

das glorias do seu povo; é uma educação cívica. Educar

para os direitos humanos é ensinar a respeitar os direitos

dos demais, é educar para a paz, para a tolerância, para o

amor, é ensinar a doar-se. É a exaltação dos feitos e das

glórias do ser humano; é uma educação religiosa.

O objetivo deste trabalho é demonstrar a possibilidade

e a necessidade de complementar-se a educação

geral “para a vida”, com uma educação dirigida para

conhecer e praticar os Direitos Humanos.



EDUCAÇÃO “GERAL”



O desenvolvimento – econômico e social – de uma

nação está diretamente ligado ao grau de educação de

seu povo. Quanto maior o nível educacional do indivíduo,

maior será sua inserção e participação política na

sociedade e menor serão as diferenças sociais, pois “um

dos grandes problemas da desigualdade é o fato de existirem

grandes diferenças educacionais que se transformam

em grandes abismos de salário” (CRUANHES,

2000, p. 83). A UNICEF – Fundo das Nações Unidas

para a Infância – também reconhece que o aumento no

nível de alfabetização e nas matrículas nas escolas

podem ser decisivamente associados a aumentos rápidos

na renda per capita e à maior igualdade econômica.

Vê-se, portanto, que a educação é também uma questão

de economia: o nível de instrução do trabalhador tem

relação direta com a produtividade e, portanto com

a riqueza do país. É o grau educacional da população,

que assegura mão-de-obra qualificada, maior nível de

informação e, conseqüentemente, melhores condições

para romper-se o círculo de miséria que excluem parcelas

expressivas da população. As diferenças sociais são

anteriores ao capitalismo e se justificam pela diferença



Direitos Humanos Cidadania



São direitos reconhecidos São direitos concedidos (ou)

conquistados

Direitos Universais Direitos Nacionais

Humanismo Civismo

Se nasce com eles Adquire-se gradativamente ao

longo da vida

São inalienáveis Pode-se renunciar (ou perder)

Exigíveis em qualquer Estado Exigível somente no Estado de sua

nacionalidade

Direitos Absolutos São Relativos

70 Clovis Gorczevski, Gionara Tauchen



Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 66-74, jan./abr. 2008

do conhecimento, em especial pelo uso que dele se faz,

pois saber é poder.

E, de um modo geral, o povo sabe da importância da

educação e acredita que ela seja, no mínimo, um meio de

ascensão social. A vontade de estudar é a convicção de

que a educação pode resolver muitos problemas da vida.



Como afirma Spósito (1986), quando o povo luta pela

possibilidade de ir a escola, ele também luta contra as

injustiças que estão na base dessa sociedade. Toda a

vontade de escolarização encerra um desejo de melhoria

das condições de existência, é virtualmente uma recusa

da condição de vida imposta pela sociedade desigual.

Mas os Estados e a sociedade não têm respondido a este

anseio.



Relatório publicado pelas Nações Unidas/ONU (2003)

dá conta de que a metade da população mundial é

composta de jovens com menos de 25 anos. Esta geração,

a mais numerosa da história da humanidade, encontra-se

gravemente ameaçada, a ponto de ser chamada pelo

editorial do jornal ABC de Madri (EDITORIAL, 2003),

de ‘Geração Perdida’. O principal mal, segundo a ONU,

é a falta de acesso à educação o que gera problemas

relacionados à saúde, à sexualidade, à prostituição, à

gravidez indesejada, à pobreza, à violência, à fome, à

miséria e a morte. 87% destes jovens vivem em países

subdesenvolvidos. 250 milhões de crianças vivem nas

ruas, desses, 238 milhões estão na miséria absoluta.

6.000 jovens se infectam diariamente com o vírus do

HIV (2,5 milhões por ano). Mais de 150 milhões não

sabem ler nem escrever. A situação é insustentável e o

panorama devastador. Toda uma geração está condenada.

E no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado

pela ONU em maio de 2004, observa-se que, em

comparação com a década de 80, houve aumento da

pobreza, o mundo regrediu em termos de qualidade de

vida, e a explicação para este fato, segundo a própria

ONU, tem ligação direta com as políticas educacionais.



A quem interessa a manutenção de tal situação? Certamente

não a população, onde uma minoria continuará

sonhando com a educação de seus filhos e a possibilidade

de mudar seu destino enquanto a grande maioria

não sabe sequer sonhar.



Mamede (1997, p. 11) dá uma pista:

Deixando de dar formação educacional (crítica e

política) à parte da população, mantém-se a prática

espoliatória que beneficia uma elite (narcísica,

incompetente, inconseqüente) em proveito de milhões

de pessoas (miseráveis e trabalhadores das classes

baixas). Permite-se uma certa ordem de privilégios

para uma classe intermediária (classe média), que, na

estrutura social, funciona como suporte para as

classes dominantes: fornece-lhe profissionais que

administram seus interesses (nestes incluídos tanto os

negócios particulares, quanto os ‘negócios de

Estado’, ou seja, a administração do aparelho do

Estado, sempre no estrito respeito à conservação de

seus benefícios) assim como assimila (motivada pelo

desejo de conservar sua própria parcela – ainda que

limitada – de benefícios) a fobia – e a luta – contra

um possível levante das massas exploradas.



Neste sentido, sem uma educação suficiente e de

qualidade, restringe-se acentuadamente o direito a receber

informações e opiniões e difundi-las sem limitação

de fronteiras, por qualquer meio de expressão – previsto

na Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo

XIX; torna-se impossível à adequada satisfação dos

direitos econômicos, sociais e culturais, indispensáveis

para a dignidade e o livre desenvolvimento da personalidade

(artigo XXII); limita-se o direito ao trabalho em

condições eqüitativas e satisfatórias (artigo XXIII);

corta-se o direito a participar na vida cultural, a gozar

das artes e a participar no progresso científico e nos

benefícios que dele resultem (artigo XXVII); e, em geral,

faz-se difícil ou impossível desfrutar dos direitos

humanos e da cidadania e contribuir a que outros também

o façam, pois uma pessoa não educada é totalmente

incapaz de cumprir cabalmente com seus deveres bem

como desfrutar plenamente de seus direitos. Uma

limitação muito séria é a de não saber reclamar seus

direitos – muitas vezes sequer saber da existência deste

direito – do que freqüentemente se aproveita o Estado

para denegá-los, ou oferecê-los como favor, ou pior,

como moeda de troca.



Por isso, fica evidente a importância da educação.

Ela torna as pessoas mais preparadas para a vida, para a

convivência e para a reivindicação de seus direitos.

Efetivamente, somente com educação poderá o homem

ser livre para exercer seus direitos, inclusive o mais

fundamental deles, aquele que “hace al hombre dueño y

actor de su propia historia, le pone también en la tesitura

de eligir entre el bien y el mal y a veces también de

determinar lo que es bueno y lo que es malo” (MARTÍN,

1998, p.76).



Entendemos estar perfeitamente demonstrada a importância

da educação geral para o indivíduo, a sociedade

e para o próprio Estado. Mas nosso objetivo é

um passo a mais. Defendemos uma educação complementar

à educação geral: uma educação para os direitos

humanos. Como dissemos, no início deste trabalho, são

comuns as manifestações sobre uma educação para a

cidadania. Não nos parece o melhor caminho, uma vez

que entendemos cidadania como algo muito próximo

ao nacionalismo, portanto restrita a uma comunidade

política que pode, inclusive, estar em oposição a outra

comunidade. Para nós, a garantia de um mundo mais

justo, está em uma educação que faça com que o homem

“seja o autor de seu próprio destino, que assuma a sua

dimensão histórica, cuidando da vida, da sua, dos outros,

Educação em Direitos Humanos ... 71

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de todos, numa dimensão horizontal” (BARCELLOS,

1992, p.15), que diga não à escravidão de todo tipo, que

defenda a liberdade, a solidariedade, a paz, a democracia.



EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS



Quando a maioria das crianças e adolescentes não

tinha acesso à escola, à família e à igreja foram os

agentes encarregados da educação, que se realiza por

duas vertentes: a do ensino, que se concentra na

transmissão de conhecimentos, e a de formação, que é a

assimilação de atitudes e valores. Mais tarde, com

melhor acesso à escola, transferiu-se a essa a responsabilidade

pela transmissão de conhecimentos,

ficando, ainda, a família, e a igreja com a responsabilidade

de realizar o processo de formação. Nos

tempos modernos, a crise da convivência familiar, e a

decadência do poder da igreja, fez recair na escola uma

maior responsabilidade, pois exige-se dela a atuação nas

duas vertentes e sabemos que o ensino formal tem

concentrado seus esforços e atuação somente na primeira

vertente: o ensino. E, ensinamos o que? Ensinamos sobre

o mundo e seus valores? Ensinamos a desaprender

práticas culturais que nem sempre responderam à

solidariedade, justiça e tolerância?



Refletir sobre o que significa Educação em Direitos

Humanos passa pela consideração dos graves problemas

da humanidade e da busca de soluções alternativas

partindo de diversas frentes. “A educação, em seu

sentido mais amplo, e a escola, concretamente, não

podem manter-se à margem dos problemas que preocupam

os seres humanos de nossa época (...)”



(TUVILLA RAYO, 2004, p.85).



A impunidade, a fome, o desemprego, a exploração

sexual, a degradação do meio ambiente, o trabalho

infantil, dentre outros, apontam as marcas da exclusão,

da ausência de dignidade e valorização da vida. Assistimos,

inertes, às mortes no trânsito, as gangues, o

crescimento do império das drogas, à desestruturação

de nossas famílias. Nossas crianças e adolescentes

“brincam” de dar tiros nos colegas e professores, de

vender drogas, de prostituir-se.



Na Terceira Carta da obra Pedagogia da Indignação,

ao referir-se sobre o assassinato do índio Galdino, Freire

(2000, p. 65) expõe sua indignação e reflete sobre os

limites e testemunhos à que nossas crianças e adolescentes

são submetidos, sobre a responsabilidade

da família, da escola e da sociedade no processo de

desumanização:



Que coisa estranha, brincar de matar índio, de matar

gente. Fico a pensar aqui, mergulhado no abismo de

uma profunda perplexidade, espantado diante da

perversidade intolerável desses moços desgentificando-

se, no ambiente em que decresceram em lugar

de crescer .



Essa desumanização não é um fato dado, não existe

por acaso. Foi aprendida histórica e culturalmente, é

produto da ação do homem e resultado de um contexto,

de uma ordem social injusta que se nutre da miséria, da

exploração e da ausência de valores em favor da vida.



Neste contexto, pergunta TUVILLA RAYO (2004,

p. 86), qual o sentido da Educação em Direitos Humanos?

Nos dias de hoje, a Educação em Direitos Humanos e

para a Paz – concebida em sua tripla finalidade de

informar, formar e transformar – constitui um

importante instrumento de construção de uma nova

cultura, aspiração antiga na sociedade e na história da

educação, assimilada e integrada hoje transversalmente

por algumas reformas educacionais em todo o

mundo.



A Educação em Direitos Humanos é essencialmente

a formação de uma cultura de respeito à dignidade

humana, através da promoção e da vivência de atitudes,

hábitos, comportamentos e valores como igualdade,

solidariedade, cooperação, tolerância e paz. Quando

falamos em cultura, é importante deixar claro que não

estamos nos limitando a uma visão restrita de cultura

como conservação dos costumes, das tradições, das

crenças e dos valores. Pelo contrário, falamos em formação

de uma cultura de respeito aos direitos humanos,

à dignidade humana, tomando como referência o próprio

inacabamento do homem, eterno aprendiz, sujeito de sua

própria cultura que se constitui humano pela própria

experiência humana.



Para Henz (2002, p. 150), “a natureza humana tem a

sua essência na capacidade e necessidade de aprender”.

Os homens aprendem desde coisas aparentemente

triviais, até valores essenciais como amor, respeito,

solidariedade. Aprendem com a própria experiência,

com a história. Aprendem a constituírem-se como

humanos ou desumanos através das experiências, das

relações, das ações diárias, do visto e do vivido. “Aprendemos

a ser humanos em uma trama complexa de

relacionamentos com outros seres humanos. Esse aprendizado

só acontece em uma matriz social, cultural, no

convívio [...], no aprendizado da cultura” (ARROYO,

2000, p. 54).



Nas palavras de Freire e Faundez (1985, p. 31):

A cultura não é apenas a manifestação artística ou

intelectual que se expressa através do pensamento, a

cultura se manifesta acima de tudo nos gestos mais

simples da vida cotidiana. Cultura é comer de maneira

diferente, é dar a mão de maneira diferente, é

relacionar-se com o outro de maneira diferente. [...]

cultura, para nós, insisto, são todas as manifestações

humanas.



O homem cria e cultiva a cultura na medida em que

se integra nas condições de vida de seu contexto, quando

72 Clovis Gorczevski, Gionara Tauchen

Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 66-74, jan./abr. 2008

reflete sobre elas e busca respostas aos seus desafios;

quando estabelece relações com o mundo, com outros

homens; quando vivencia a própria experiência de

constituir-se como homem. Desse modo, a cultura é tudo

o que se expressa nos modos de agir, pensar, relacionar,

interpretar e atribuir sentido ao mundo e às coisas. Não

pode ser entendida de maneira isolada, e sim situada no

contexto das relações sociais, das interações humanas,

políticas e econômicas. Não é elemento estanque e

independente, pelo contrário, movimenta-se dinamicamente

e possui caráter flexível e mutável.



Ela se manifesta nos conhecimentos, valores, símbolos,

ações diárias e revela características de uma

comunidade. Para Henz (2003, p. 233 ), “a cultura é o

processo de humanização do mundo e do ser humano; é

o mundo em que homens e mulheres se objetivam, intersubjetivam,

envolvendo todas as atividades humanas”.



Se o homem cria cultura, ele também faz história,

pois na medida em que cria, cultiva, reflete e decide,

ele também transmite, transforma, reforma, intervém,

modificando e ressignificando o instituído. A cultura é a

própria interação humana, que consciente e intencionalmente

mantém relações com as condições políticas,

econômicas e sociais. E, entender a cultura como processo

de construção histórica, passível de transformação,

de aprendizagem, amplia as possibilidades de construção

de uma cultura de paz, de uma educação em direitos

humanos.



Trata-se, portanto, de uma mudança cultural especialmente

importante no Brasil, pois implica a derrocada

de valores e costumes arraigados entre nós. A este respeito,

Tuvilla Rayo (2004, p. 88) nos questiona:



Mas é possível consolidar regimes democráticos cujas

estruturas econômicas respondem a uma modernização

neoliberal da economia? Que papel desempenha

aqui o sistema educacional? Que valores o

inspiram? Podem os valores implícitos dos sistemas

educacionais democráticos estar à margem dos valores

de um sistema econômico baseado em uma

racionalidade que produz marginalização, segregação

e exclusão social?



Se entendermos que o homem cria cultura quando

faz história e ao mesmo tempo só faz história pela

cultura, então é possível desafiar o próprio homem para

a superação das situações-limite de desumanização em

que nos encontramos que “é preciso, pois, compreender

o sonho como possível e como precisando de ser viabilizado

e não como algo pré-dado. A realidade histórico-

social é um dado dando-se e não um dado” (FREIRE,

1985, p.67).



Nesse sentido, defendemos a educação como

componente substancial na edificação da identidade de

sujeitos capazes de desvelar criticamente o mundo das

injustiças e práticas que ferem a dignidade humana e de

engajar-se ativamente para a transformação social. Para

Freire (1988), a educação é um instrumento humanizador,

é um processo que vai ao encontro da necessidade

da humanidade de ‘ser mais’. Nesse processo,

os sujeitos vão transformando o mundo e transformandose,

pois não se aceita o homem isolado do mundo nem

tampouco o mundo isolado do homem.



A educação é terreno fértil para o aprendizado do

humano, que sempre é socio-histórico-cultural, onde se

abre o horizonte para a busca de alternativas que

apontem caminhos para utopias possíveis de reconstrução

do humano pela cultura, pois “o utópico não é o

irrealizável; não é o idealismo, é a dialetização dos atos

de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura

desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante”

(FREIRE, 1980, p. 27).



É, nesta perspectiva, que entendemos a “Educação

em Direitos Humanos” e para a Paz como uma utopia

possível. Acreditamos que se a violência apresenta uma

multiplicidade de feições, as iniciativas de paz também

devem criar espaços de ações múltiplas, variadas e

transformadoras.



A paz é uma prática cultural que precisa ser aprendida,

cultivada. Não é algo pronto; é um contínuo

aprender, fazer, refazer, um dos maiores desejos e

desafios da grande maioria da humanidade. Entender a

paz como construção cultural e como noção pedagógica

leva-nos a superar uma certa compreensão abstrata e

idealista, e coloca-a como uma ação que está ao nosso

alcance. A paz precisa ser entendida. Para Jarez (2002,

p. 148):



Como um processo educativo, dinâmico, contínuo e

permanente [...] e, que, mediante a aplicação de

enfoques socioafetivos e problematizantes, pretende

desenvolver um novo tipo de cultura, a cultura da paz,

que ajude as pessoas a desvendar criticamente a

realidade para poder situar-se diante dela e atuar em

conseqüência. Realidade que é complexa e conflitiva

e que entendemos em relação a três dimensões nas

quais o ser humano se desenvolve: consigo mesmo e

com os outros; com e a partir das interações e

estruturas sociais por ele criadas; e com o meio

ambiente no qual transcorre a vida.



Consideramos que é necessário e possível estimular

vivências pensadas a partir de uma proposta de educar

para uma cultura de paz. Por isso, é preciso assumir que

nossa tarefa, enquanto educadores, é fazer com que o

tempo que as crianças passam na escola não se transforme

em uma experiência a mais de desumanização,

uma vez que, muitas delas vivem situações de discriminação,

exploração e violência na sociedade ou até

mesmo na própria família.



Para que as crianças possam aprender práticas mais

humanizadoras, é necessário que todos os profissionais

Educação em Direitos Humanos ... 73

Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 66-74, jan./abr. 2008

que integram a instituição reflitam sobre as ações que

são vivenciadas cotidianamente, pois grande parte do

que as crianças aprendem não é ensinado de forma

sistemática e consciente. Aprendemos e ensinamos mais

por vivências do que por enunciados, nos constituímos

humanos ou desumanos a partir das referências e das

relações que experienciamos.



Amplia-se, assim, a responsabilidade de cada um e

de todos com os valores e as atitudes que cultivamos na

escola. Isso demanda um posicionamento claro sobre o

quê e o como se aprende nas instituições, partindo de um

projeto pedagógico claro, até uma ação docente que

ressignifique o sentir, o pensar e o agir da infância em

favor da humanização.



Para tanto, a educação escolar precisa ser um espaçotempo

que propicie, contextualizadamente, a compreensão

da realidade. Precisamos compreender que, enquanto

homens, mulheres e crianças, necessitamos aprender a

ser gente, a ser humanos, como também precisamos

compreender que essa aprendizagem se dá dentro de

uma realidade que precisa ser conhecida, desvelada e

transformada.



Para isso, é fundamental uma reflexão permanente

sobre a concepção de educação que temos, sobre nossos

projetos, nossos conceitos, nossas ações, sobre as

contradições entre o que se propõe, o que se pensa e o

que se pratica, contradições entre o currículo proposto,

o currículo oculto e o currículo em ação. Cabe-nos

salientar que a educação em Direitos Humanos não pode

dar-se de modo isolado e nem é um fim em si mesma.

Precisa ser uma educação complementar, em todos os

níveis de ensino.



Esta educação requer atuações que atingem todo o

conjunto da estrutura escolar, do sistema organizacional

ao conjunto de atuações e modos de fazer dos professores,

passando por uma reestruturação no ambiente

da educação, porque, neste caso, o meio também é a

mensagem, pois este tipo de educação, como bem lembra

Balestreri (1992, p. 11), não se cumpre a nível discursivo.

A dicotomia entre o discurso e a prática é a negação de

qualquer possibilidade educativa. Isto porque não se

pode educar para o respeito àqueles a quem não respeitamos;

não se pode falar de fraternidade aos que

oprimimos; é hipocrisia pregar a participação àqueles a

quem calamos. Ademais o educador em Direitos Humanos

deve estar consciente de que não terá resultados

imediatos, no final do ano, como ao ensinar uma matéria

que será complementada a medida que o conjunto

daquele programa for entendido pelos alunos.



A Educação para os Direitos Humanos é um processo

de longo prazo, trata-se de uma educação permanente,

global, complexa e difícil, mas não impossível.

É, certamente, uma utopia, mas que se realiza na própria

tentativa de realizá-la.



Embora nosso objetivo seja sugerir a Educação em

Direitos Humanos, como educação complementar formal,

que deve permear os currículos escolares oficiais,

em todas as instâncias, da escola primária à universidade,

estamos cientes que não devemos restringir esta educação

apenas ao ensino escolar formal. A educação para

os Direitos Humanos pode/deve ocorrer na educação

informal, em qualquer lugar: nos movimentos sociais e

populares, nas diversas organizações não-governamentais,

nos clubes, igrejas, associações, sindicatos e, principalmente

pelos meios de comunicação de massa. Pode

ser construída no cotidiano, através de processos de

identidade político-cultural, gerados pela própria sociedade

organizada.



Falar nesta educação, oriunda, não de canais institucionais

escolares, mas de processos gerados no cotidiano

da comunidade organizada, implica, como afirma

Gohn (2000) em “ter como pressuposto básico, uma

concepção de educação que não se restringe ao aprendizado

de conteúdos específicos transmitidos através de

técnicas e instrumentos do processo pedagógico”. E,

neste sentido, sábia a Constituição Brasileira quando, em

seu artigo 205, expressa que “A educação, direito de

todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para

o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”. Donde se deduz que a educação não é só

ensino.



Por fim, o que desejamos com a educação em direitos

humanos? Queremos uma formação que leve em

conta a vivência do valor da igualdade em dignidade e

direitos para todos, propiciando o desenvolvimento de

sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade.



Ao mesmo tempo, a educação para a tolerância e solidariedade.

O desenvolvimento da capacidade de perceber

as conseqüências pessoais e sociais de cada

escolha. Isto é, deve levar ao senso de responsabilidade

e comprometimento com a mudança daquelas práticas

sociais que violam ou negam os direitos de se mais

humano.



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